domingo, 26 de dezembro de 2010

tarde quente de domingo

Tudo é tão terrível
numa tarde quente
de domingo.
A mosca da janela
nunca
vai embora.
O barulho do ventilador
é a única coisa
que escuto -
um som alto
forte
com cheiro de amônia.
Eu entro no banho
três vezes
para lavar o
terror
que gruda no meu corpo.
É uma tarde
quente e nostálgica
tanto quanto
todo o domingo
quente ou frio.
Então, eu sinto saudade daquela múscia
"na hora do almoço"
e não
saudade da música
exatamente
e não saudade da letra
exatamente
mas saudade
da certeza.
Certeza de que
quando a última nota soar
alguém irá falar:
"o que eu tenho MEDO
mesmo
é da coisa parecida"
e todos vão concordar e
rir e rir
e concordar
porque da coisa
parecida
é que fugimos juntos.
É o que gritamos
e choramos.
O que vivemos
todos os dias
alucinados
cantando
no meio da noite.
E tudo é tão
terrível
numa tarde quente de domingo.
Porque eu sinto
saudade dos
pontos de exclamação
que nunca escutei.
Me vejo
velho
morrendo
sozinho
rindo do som
da palavra desamparo
que me escapa da boca
e eu sempre achei tão
lindo.

Porque
são nas tardes
quentes
de domingo
como esta
que eu converso
com a morte.
Trancados no meu
quarto
acertamos velhas
contas
pedimos desculpas
até elogiamos
novos cortes de cabelo -
Hoje ela usava chanel.
Depois
nos despedimos
muitas vezes
nos beijamos
e ela nunca precisou dizer que
volta.
Aceno
olhando em seus olhos
vejo como são terríveis
as tardes quentes
de domingo.

domingo, 12 de dezembro de 2010

Sabe, é estranho porque...

Quando eu olho
em seus
olhos
eu me esqueço de respirar
por algum tempo
perco o fôlego
me afogo e
não evito
o sorriso.
Você me toca
e meu
sangue
corre mais rápido
ferve
e eu sinto um
frio subindo pela minha
espinha.

E logo
eu esqueço
isso tudo
e esqueço você
segurando uma
espada
lutando contra todos os
clichês.

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Enquanto o Sol fazia meu olho arder

Faz alguns dias
que eu não
faço sexo.
Mas
tenho essa lembrança dessa
loira
pernas e sorrisos
abertos
nua
deitada sobre minha cama.

Ando me sentindo
bem
na verdade
melhor do que
nunca estive.
As paredes
não tremem
mais
enquanto as cinzas
me sujam
desprezível
aos olhos
ensanguentados.
Espelhos
cansaram
e deixaram de me
seguir
na escuridão da
minha própria sombra.

Eu devia
estar pulando de alegria
mas
não.
Estou deprimido;
sinto falta
do tumulto.
Palavras e vacas
girando
no furacão da nossa madrugada.
Sinto falta
da dúvida

até da dúvida
e dos espelhos; das paredes
das cinzas;
das manhãs; dos domingos;
da tristeza;
do sorriso; e
do de repente.

E como sempre
de repente
eu vejo aquelas
pernas
e aqueles sorrisos
e vejo aquela loira
de volta
na minha cama.
E ela chuta tão
alto
que acerta a Lua
em mim.
Sorri e gira o corpo
agarra meu pau
e minha alma
deixa o dia mais fácil
a manhã mais
parte de mim
falando palavras
sem nexo
e sem valor
que eu guardo
escondidas por um mapa
num código que não entendo
esquecido na madrugada.

Encaro minha janela
por horas
nada se move
os pássaros morreram
o ar é venenoso
e a Lua é um brilho que
nunca existiu.
Penso em suicídio
por ser importante
penso em viver para sempre
não me basto
não gosto
não me quero
e me amo
e me amo.
E sofro
de tanta felicidade
que eu trago
escondida no meu
estômago
para então
explodir
sozinho
por cima do morro
em que nasci.



terça-feira, 23 de novembro de 2010

Eu devia estar trabalhando

mas
ao invés disso
estou lutando contra
o meu teclado.
Bato forte
odeio as teclas
quero que elas sofram
mas tomo socos
na boca do estômago
no queixo
meu nariz está sangrando
e eu continuo batendo
nas teclas
sem parar.
Até que

vou
a nocaute.

Quando acordo
estou sentado na sala
de espera do meu
psiquiatra
com uma revista -
papel couché fosco
e fotos envernizadas -
sobre arte
moderna
nas mãos.
Olho para as palavras
mas não leio
nenhuma.
Começo a me sentir
fraco
quando uma gota de sangue
pinga do meu nariz.
E outra.
Largo a revista
no chão.
E pinga

e pinga

e
pinga
e
pinga e
pinga pinga
pinga pinga
pinga pinga pinga
até que começa jorrar.
Logo
o chão da sala está
vermelho
sangue
quase cobre a sola
dos meus tênis.
Meu olhos começam
a se fechar
não sinto nada
meu corpo
nada
e desmaio
para frente com o
rosto
virado para a direita
prestes a faturar
o maxilar.

Mas não.

Mergulho numa
piscina vermelha
sem fundo
e vou afundando
e dormindo
e me contorcendo
e afundando.

Culpa do meu
superego fascista,
segundo
especialistas.

Eu devia estar trabalhando

mas
ao invés disso
estou rezando ajoelhado
na frente
desses pequenos ícones.
Mulheres
feitas de argila
molhada
derretendo
esquecidas
no canto da sala.

Eu devia estar trabalhando

mas
ao invés disso
grito um horror
esquecido dentro
de mim.
Grito
para esquecer quem
eu sou.
Para apagar as imagens
de vergonha e de
derrota
da minha cabeça.
Grito
e digo que não merecia
viver
ou ter nascido
mesmo sabendo
que
se pudesse
não faria nada para
mudar isso.

Eu devia estar trabalhando

mas
ao invés disso
sou um rascunho
de papel
deitado na pista
do
IAPI.
E baseados
à sombra
das árvores
me passo
a limpo
num caderno
com aspirais
de marfim.

Eu devia estar trabalhando

mas
ao invés disso
eu fumo um cigarro
e agradeço
aos
deuses
que estou sozinho.
Eu
tão
perdidamente eu.
E me sinto bem
sem o som dos problemas
que chegam com voz
doce
e olhos de
cristais.

Eu devia estar trabalhando

mas ao invés disso
continuo
brigando
com meu teclado.
Porque é tudo
que me resta.
E tudo o que eu sempre
pude
fazer.

Eu devia estar trabalhando.




terça-feira, 12 de outubro de 2010

Meu amor cabe num pote de geléia

Meu amor
eu guardo em pequenos potes
de conserva
na parte gelada
do meu peito.
Organizados
em estantes brancas
em longos corredores
escuros
e devidamente
identificados
com etiquetas
e letras tremidas.

Às vezes
eu caminho por esses
corredores.
Vou devagar
e receoso.
Sinto muito frio.
Sinto todos os
sentimentos
em sua forma mais
primitiva.
Meu corpo
treme.
Eu sou feliz
e eu choro.
Sou triste
e eu choro.
Sinto o suor pelas
minhas costas.
Gozo.
Ah,
como eu gozo.
E como
eu sinto dor.

E quando é noite
e enquanto mundo
inteiro
deixa
de existir
eu fico
agarrado à Lua.
Olho para baixo
e vejo a cidade.
Vejo Porto Alegre
as ruas
e tudo que aquilo
significa
em mim.
Vejo livros
discos revistas
palavras
olhares medos
amores filmes
e vejo meu sangue
correndo nisso tudo.
E me pergunto
porque eu pego esse pote
de geléia
e guardo meu amor
enfileirado
junto de outros potes
que guardam
o meu amor.
Não guardo para lembrar.
Não guardo para esquecer.
Não guardo para separar.
Guardo
para amar
olhando velhos olhos
escutando velhas
palavras
sentindo velhos cheiros
um amor
que não existe.
Guardo porque me
preenche.
Porque é meu.
Porque
sou eu.

Solto minha
mão
dou adeus à Lua
vou caindo
devagar
quase flutuando.
E quando toco
o chão
eu tenho certeza.
Seria um idiota
se não
guardasse.

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Um retalho para longe de nós

Minha cabeça batia
na janela
com o balanço
do ônibus
durante as curvas.
Meu pescoço estava
mole
meu corpo
estava mole
meu coração.
Eu ia para casa
dela
e sabia que tinha que fazer
aquilo.

Ela implorava chorando
baixinho
sentada a beira da cama
com a cabeça entre as
pernas.
Ela implorava gritando
todas a vozes
e todas as razões
do mundo.

Eu sentia
a pressão do cabo
da faca no meu
bolso.
Não podia deixar
ela ir
embora
assim
tão fácil.
Meu coração.
Tudo mole.
Eu sabia que tinha que
fazer
aquilo.

Toquei a campainha
e gritei;
gritei tudo que meu
bafo
que exalava coragem
e mesa de bar
conseguia pronunciar.
Tirei a camisa
e levantei a faca
para cima da
minha cabeça.
Passei a lâmina pelo
meu peito até minha cintura.
Puxei a pele com força
e da lá
saiu uma criança.

Ele estava numa sala de aula
sentado no chão;
num círculo formado por alunos
da 3ª série
e uma professora.
E todos riam
dele.
Todos riam daquele
menino que sentia
toda a indiferença
e todo ódio
que não existia
ali.
Ele sentia
não existir
e o cheiro do seu
medo
flutuava por entre
nossos corpos.
Não tinha
ainda
vivido
de verdade
e mesmo
assim
tinha medo de morrer sozinho.
Não tinha beijado
uma mulher
e sentia que nunca
mais beijaria.
E enquanto seus colegas
distribuíam abraços
ele sentia solidão
e não sentia ser tocado
de verdade.
Sentia nojo;
o nojo que vinha dos
outros
para sua direção
para sua ruína.

Ela assistiu
isso tudo
segurando forte
no meu braço.
Vi seus olhos
molhados
de felicidade.
Vi seus olhos
e eles olhavam
para além dos
meus.
Me segurou em seus braços
me apertou forte
me mordeu
me beijou
me lambeu
e soluçou ao dizer que
nunca estivemos
tão
próximos.

Enquanto isso
as paredes
choravam.
As paredes
que sabiam tudo
choravam porque sabiam
que nunca estivemos
tão próximos
de dizer
adeus.



segunda-feira, 27 de setembro de 2010

A minha torre de babel

Meus joelhos
doem.
Há dias
em venho levantando esses
troncos
pregando
e me machucando.
É uma tarefa difícil
construir esse pedestal
no qual eu vou
suavemente
instalar minha cama
e ver o mundo
por cima.
Eu já não aguento
mais.
As feridas
não fecham
levei algumas facadas
e não tenho a aparência certa
para o trabalho.
Nunca soube pregar,
quer dizer,
não era algo natural em mim.
Era algo forçado
e doía como
chicotadas numas noite
quente de
primavera.
Mas eu vou aprendendo.
Eu vou.

E agora eu estou aqui
diante desse pedestal
que atravessa as nuvens
e que eu preguei
prego por
prego
sangue por
suor.
Dou a última martelada
e desmaio
em cima da cama.

As horas passam
por baixo dos
minutos aqui
em cima.
Nada precisa de um
sentido.
Ainda não abri meus olhos
mas o vento
tem um perfume
que entra por cada poro
e goza em todas as células
do meu corpo.
Então
eu sinto uma mão tocando meu rosto
leve suave
a mão de todo aquele
cheiro.
E quando
vejo
o que vejo
é um sorriso
que faz toda aquela estrutura
tremer
e se curvar
porque é tudo que se
tem
para fazer.
E ela se joga
para cima de mim
como um trem
e a gente se bate
como sabão
espalhando
gritos feridos e
orgasmos.
Ela é um bambolê
de seda e
carne
que gira por todo meu corpo.
E eu me atiro para dentro
daquilo tudo
colado em mim.
E a gente se torce
geme
grita e sussurra.
Eu quero estar
em todos os lugares
que ela esconde.
Quero morder
engolir
ter ela
dentro de mim.

Não me dou conta
do mundo que
ficou para
baixo
das nuvens.
Não me dou conta
de como só estar aqui
em cima
é maravilhoso.
Não me dou conta
porque o jeito
que ela me faz sorrir
enquanto não consegue
manter os olhos
abertos
é que é maravilhoso.

E quando eles fecham
por completo -
aqueles olhos
que escorrem mel e lágrimas -
me agarram
e pedem para que
eu nunca me mexa.
E
enquanto eu obedeço
olho para cima
areia voando
nas dunas
de um
deserto estrelado.
É noite.

Por algumas horas
eu fecho os olhos
e sonho que estou acordado.
Mas a calma nunca
dura
muito.
Escuto passos
conhecidos
e pesados.
Meu velho amigo
lenhador.
Ele traz consigo
um machado de
cinco metros
manchado de sangue.
Ele é inseguro
tem medo
foge
trai
machuca
e seu passatempo
é derrubar os pedestais
que eu construo.
Eu vejo sua enorme
barba
suja de cerveja
caminhando
devagar.

Quebro minha promessa.
Minhas pernas tremem.
Me mexo.
E meu sangue
tem cheiro
e gosto de pavor.
Cair lá de
cima
não me assusta,
não.
Mas a idéia de perder
aquilo
me machuca
me corta
me apodrece.

E a vida vai
assim
sendo demais
para suportar.
Sendo tão boa
que deixa triste.
E com tanto medo
da felicidade
me jogo
do pedestal
sem nem saber
se tinha chance
de ser derrubado.

E enquanto eu sinto
minha vida escorrer
para fora do meu abdômen -
semi-aberto
pelo impacto -
eu fico rezando
para que ela venha
me levantar.

Eu fico rezando
sem acreditar.

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Enquanto eu fico pendurado aqui nessa corda

As minhas mãos
ardem
quando eu escorrego.
Eu estou pendurado
numa corda
segurando firme
morrendo de medo
de cair
e não sei bem
porque.
Olho para baixo
não vejo nada.
Não sei o que há
lá.
Pode ser qualquer
coisa,
mas é a minha vida,
sabe?
E, simplesmente,
não sei se quero
me jogar para o novo.
Não sei se vale
a pena
me prender ao desconhecido.

Eu sei que haverá mulheres
lá.
Mas elas irão me fazer
sorrir?
Eu sei que haverá vento
no rosto.
Mas eu conseguirei fechar os olhos
e aproveitar?
Eu sei que haverá abraços.
Mas eles serão de verdade?

E mesmo com todas as dúvidas
e com todas as dificuldades
eu tenho uma
certeza.
Certeza que eu
sou livre.
Mesmo pendurado
aqui
nessa corda
eu sou livre.
Livre porque eu posso
abrir a mão.
Livre porque eu posso
continuar
segurando.

Eu sou aquele que acha
um absurdo jogar lixo no chão.
Que as pessoas que o fazem
deveriam ser penduradas em praça
pública
pelo desprezo ao coletivo.
E, mesmo assim
às vezes
eu jogo.
Eu sou aquele que luta
pela verdade.
E grita ser a coisa
mais bonita que se
pode tocar.
E eu minto
por amor.
E minto
até para mim.

E pelo fato
de não precisar impor
nenhum tipo de
sentido ao que
eu sou
e ao que eu grito
eu tenho uma certeza.

Eu sou
livre
pendurado
aqui
nessa corda.

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Duas horas no escuro

Eu era novo
-3 ou 4 anos-
e tudo que ia
além do que podia ver
era um clarão
flutuando pelo Universo.
Nada acontecia
se não acontecesse
para mim.
Tudo dependia de mim
para ser.
Um sorriso
só era um sorriso
se eu podia vê-lo.
Um beijo, sem mim,
era nada.
Ninguém chorava
se não fosse por mim.
Ninguém se incomodava
se eu não estivesse
por perto.
E quando eu não estava por
perto
o mundo andava em
câmera lenta
esperando eu entrar em cena.

Tinha essa mania
de esmagar formigas
com a ponta do dedo.
Me divertia.
Não por matar
mas por poder.
Porque eu era Deus
e eu criava
e destruía.
Às vezes, comia
terra
também
porque era a minha terra
porque eu podia.
E sozinho
sentado a beira
do formigueiro
o mundo inteiro
esperava
para me servir.

Agora, eu estou deitado
na minha cama
com um cinzeiro apoiado
na barriga.
Ninguém por perto.
Lembro das mulheres
que passaram por aqui
e logo
sinto-me
deixar
de existir.
Eu ainda as vejo.
Elas estão em camas novas
com sorrisos novos
enquanto eu não
existo
e sinto a minha infância
escorrer por entre
meus dedos
direto para
o ralo.

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Caminhando por unhas vermelhas e de olhos fechados

Eu desço as escadas
do trabalho
e sinto uma liberdade
patética tomar
conta do meu braço
e espalhar-se pelo
meu corpo.
Acendo um cigarro
e meu cigarro solta
uma fumaça colorida
que fica rodando a minha volta
e me leva para onde eu vou.
Eu lembro de alguns poemas
e de suas palavras
que são tão parte de mim
quanto meu café da manhã.
E , meu Deus, eu grito
poesia
e não faço idéia do que seja
isso
de verdade.
Eu quero ir para casa
mas não tenho pressa
tomo o caminho mais longo
o favorito.
Passo por um poste,
um totem;
marca da selvageria
que me fez
assim.
Vejo-me ali
com um osso na mão
batendo e me divertindo
descobrindo coisas novas
me descobrindo.
Escuto minha risada primitiva
e ácida.
Ó, meu Deus, esse poste,
esse totem,
é parte de mim.
E eu dou um pulo
direto para o ano de 2010
e quase gozo
pensando nas imagens da noite anterior.

Caralho, minha vida passa
na mão dessas mulheres que passam por mim.
E eu dependo delas
para sorrir
para cantar
para beber.

Dou um tiro para cima.
E esqueço que elas
existem.

Mas eu lembro, lembro
do jeito que ela me olha de noite,
e eu lembro do seu cabelo loiro
e do seu cabelo ruivo
e de sua pele morena
que é tão clara
quanto leite.
Eu sempre lembro.
Lembro de como ela é alta
e encosta a cabeça no
meu peito
enquanto me abraça.
Ela chega perto de mim
e meu corpo inteiro
treme
e ela treme junto
e me puxa para dentro
dela.
Lembro do barulho que ela
faz ao engatilhar aquele
sorriso -
calibre 38.
Lembro dos seios
que cabem
e escorrem para fora da minha boca.
E os olhos
que têm todas cores do mundo
e choram todos os rios
que já vi
rios
de amor
tristeza e felicidade.
Lembro do jeito que ela
segura o meu pau
sempre
com uma mão diferente.
Lembro da indiferença
e da total devoção.
Lembro dos cachos e
daquele cabelo
absurdamente
liso.
Lembro da calcinha
no chão.

E, quando paro de pensar,
vejo minha casa
pego minha chave
no bolso direito
e quase gozo ao
atravessar a rua.
E o mundo passou por mim
passou em branco
enquanto ela
e ela
e ela
faziam eu não ver o mundo a minha
volta.
E, sinceramente,
não sei se
perdi
alguma coisa
ou se ganhei.

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Uma tarde presente no passado

Era um fim de tarde gelado
e eu caminhava pelas ruas
do Menino Deus*
e cada pedra no chão
me conhecia
como irmão.
Todas aquelas paredes tinham
marcas minhas
e tudo era tão meu
que chegava a doer.
Lembrava-me da minha
infância;
de como eu descobria o mundo
caminhando por aquelas ruas.
Sentia o vento
cortando meu rosto
e o barulho das rodas
batendo no chão.
Sentia tudo que era tão
velho
e tão emocionante.
Lembrava das meninas
e do medo que tinha delas.
Lembrava das primeiras tragadas
dos primeiros goles
e de como tudo era tão emocionante
e selvagem.

Encontrei uma parada de ônibus
acendi um cigarro
e escorei-me na parede de uma
tabacaria.
Um homem que vestia
uma capa preta
e tinha um grande bigode negro
gritava, com uma fala nordestina,
as maravilhas da juventude.
Palavras que faziam tanto sentido que
e eu não as sentia de verdade.
Não sentia por fazer parte daquilo
por causa dessa juventude que
corre em mim.
E então
eu senti um medo que subia
as minhas costas.
Um medo de não conseguir ver isso que
está em mim
agora.
Medo de que minha vida
fosse assim
uma série de entusiasmos atrasados.

Então, peguei um pequeno baú
e coloquei meu passado
e meu futuro
ali dentro.
Tranquei com um cadeado
acendi uma vela
ajoelhei-me
rezei
e deixei aquilo
tudo
num pequeno altar
ao lado da minha cama.

Vi um rosto conhecido
caminhando em minha direção.
Algo diferente;
uma certa serenidade assustadora naqueles
olhos.
Ele morava na rua
e gritava "babudo"
enquanto brincava com a barba
e dizia que a vida era o suficiente.
Agora, sem barba
e terrivelmente sóbrio
não tinha o velho brilho nos
olhos.
Era triste como
o resto dos carros que passavam
sem deixar marcas.
Pediu-me um cigarro
e eu
cuidadosamente
entreguei três.
O babudo agradece,
disse caminhando
enquanto eu podia ver
sua barba crescer e o velho
sorriso alucinado
brotar
no seu rosto.

Um carro bate em outro.
Nada sério.
Dois homens irritados
saem
batendo suas portas
e estalando seus punhos.
Meu Deus, eu penso,
ela tem esse jeito de fazer o
beijar, lamber, foder,
abraçar, dormir, acordar
coisas tão naturais e
lindas.
E lindas porque são naturais
e naturais porque são lindas.
E eu conto isso para os dois
homens.
Conto das mulheres que têm
o vestido verde
como manto sagrado.
De como elas têm
esse sorriso
que nos deixa paralisados e
idiotas e
patéticos.

Eles abandonam
os carros
no meio da rua
e eu
deixo minha parada
sem olhar para trás.

Ela puxa meu braço
toca uma pedra no chão
e a gente pula amarelinha.
E eu vivo o presente
como alguém
que vive a morte.
Eu vivo cheio de
tubos
e esperando que algo
aconteça
enquanto eu pulo
amarelinha
e escorrego para
dentro dela.
E eu durmo ali
agradecendo aos
deuses
que meu passado
e futuro
são coisas
tão distantes quanto
próximas.


*bairro de Porto Alegre





quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Tudo ao mesmo tempo

Sinto-me alheio
a isso tudo
às vezes
sou um espectador de
um filme de terror
e o protagonista
sou eu
e eu grito
da sala do cinema:
não abra essa porta!
E, mesmo assim, eu
abro
e penso em pular pela janela
não mais para morrer
mas para provar que eu
consigo voar.
Sinto-me preso ao passado
e abraço o futuro
como alguém que abraça um
deus.

E eu sou o deus do
meu mundo
senhor de mim.
Eu sou a árvore
do seu quintal.
Sou um cachorro
brilhando ao Sol.
Sou um pouco
de tudo.
Sou o futebol.
Sou um idiota
de Lars von Trier.
Sou um girassol
de Van Gogh.
Sou tudo o que espero.
Sou a boca que vai embora
e traz aquele sorriso
que desaparece
na luz daqueles olhos.

Nunca entendi pessoas
que escalam montanhas.

Sinto-me tão falso
às vezes
sinto-me mentir para quem sou
para o que sinto
e fazer tudo aquilo que não queria
pelo bem
de outros.
Mudo o que sou
saio de mim
e torno-me
outro.
E sinto-me igual a antes
sinto-me de verdade
e sorrio do topo dessa
montanha feita de cinzas.


Sinto tudo;
a dor de ver deuses
esquecidos;
a felicidade de encontrar
sorrisos
perdidos;
um choro que
me engole;
um sorriso
que engole o mundo
todo;
pena de me ver ao
espelho.
E quando me olho
penso,
não é grande coisa
mas é tão de verdade.
E o espelho do meu banheiro
quebra ao som das minhas
gargalhadas
e todos os espelhos do mundo
caem ao chão
ao som da palavra que sai
do meu estômago.

Sinto-me tão triste
e sinto-me tão bem ao mesmo
tempo.
Sinto meu corpo
cheio de chagas
e sinto as feridas
fechando devagar.
Sinto-me,
porque
é a unica maneira
de sentir tudo
que eu quero
ao mesmo tempo.

domingo, 8 de agosto de 2010

O vestido de todas as flores

Seu nome é
Rose
e quando eu quero chamar ela
eu chamo
Rosa.
A gente mora
juntos
e volta e meia
Rose vai embora
enquanto eu grito
Rosa!
uivando da minha sacada.
E ela volta sempre
e sempre volta
diferente.

Sempre com aquele
mesmo vestido
verde
floreado
com todas
as flores do mundo
e nenhuma
rosa.

Ela é o barulho do
vento
numa noite quente.
Ela tem um sorriso
de um anjo
um sorriso
mais perigoso que de
um demônio.
Ela sabe tudo
e não entende
nada.
É uma puta.
Imaculada.
Ela machuca fazendo
carinho.
Uma santa.
Uma santa que faz
cansar.
Um santa que se
abandona.

E eu canso de
Rosa.
E Rosa vai embora.
Mas ela sempre
volta
com aquele mesmo
vestido
repleto de rosas.

Seu nome é
Rose
e quando eu quero chamar ela
eu chamo
Margarida
que me responde
indiferente a isso tudo
sem se importar com nome
ou com a flor que lhe
falta
no vestido.

domingo, 1 de agosto de 2010

O dia em que o teto desabou

Era um sábado chuvoso
eu dirigia
com uma nuvem verde
correndo pelo carro.
Observava
com os olhos brilhando
a chuva dançando no asfalto.
Trocava as marchas
rápido
e dirigia devagar
procurando
sem muita ideia
alguma coisa para fazer.

Vi um shoping a
algumas quadras.
Pensei que seria legal
tomar um café
e observar as pessoas
fazendo biografias imaginárias.

Era liquidação
até 50%
e talvez eu tenha
cometido um erro,
pensei.
Casais passeavam.
Os homens carregavam sacolas
e usavam blusões pendurados
como macacos carentes
no pescoço.
As mulheres eram bonitas
algumas até lindas
e não tinham brilho
algum.
Eles não estavam juntos
ou vivos
de verdade.
Eles estavam lá
porque achavam que deveriam
porque era aquilo que ensinaram que
deveriam
fazer.
Não se tocavam
mãos e pés e corações
separados por alguns
passos.
E eles corriam a minha volta
pulavam e gritavam e
riam como abutres
e diziam que ali
estava o meu futuro.
Tentava fazer eles calarem a
boca.
Era inútil.
Eu seguia caminhando
com os casais de mortos
me seguindo
e agora
sussurravam que eu era
um deles.
Decidi que um café
não era para mim
no momento.
Decidi que eu precisava de
uma cerveja.

Fui caminhando até a praça
de alimentação.
E quando eu cheguei lá
Todas aquelas pessoas
e todos aqueles
milhares de olhos
me encaravam.
Começaram a bater
copos, talheres, pratos, cabeças
na mesa
e como uma torcida
de futebol
cantavam:
você é um de nós!

Eu estava apavorado
pronto para sair correndo
para ir embora daquele lugar
mas eu sabia
agora
eu precisava de uma cerveja.

Fui caminhando
pé após o outro
analisando
cada passo.
Fui devagar
acompanhado por
todos aqueles olhos.
Cheguei ao restaurante
e pedi um chope
grande.
A mulher
que trabalhava no caixa
tinha os olhos iguais a um
umbigo
pintados de branco
e me informou
que só acharia
naquele lugar
chope pequeno;
300ml.
Eu sabia que aquilo não
seria
o suficiente.
Eu sabia que precisava de mais.
E sabia
também
que eu não gostaria de voltar ali
para pedir outro.
E quando contei a caixa
que precisava mais tempo
para pensar o teto
desabou.

Eu olhei para cima
e vi um monte
de pêlos brancos
pendendo do céu.
E quando eu entendi
que aquilo era uma barba.
Me ajoelhei no chão
fechei os olhos
e agradeci.
Agradeci
pelas mulheres que são
de vestido verde.
Agradeci que eu não era parte
daquilo
e sabia disso.

E quando eu abri
os olhos
de novo
tudo estava normal.
O teto estava inteiro
ninguém cantava
ou batia a cabeça na mesa
ninguém olhava para mim.
Exceto a mulher do caixa
com seus olhos pintados
esperando uma resposta.

Bem, acho que eu vou querer
dois pequenos,
respondi.
Ela tentou sorrir
sem sucesso
e disse para eu esperar a minha
mesa.

Alguns minutos depois
eu tomava meus dois chopes
intercalando os copos
em goles pequenos
sorrindo e observando a caixa que
me atendeu
bater
a cabeça na parede.

domingo, 25 de julho de 2010

O meu dia de Jesus Cristo

Eu descia a rua
passando as marchas
com paciência
e soprando lindos anéis
de fumaça.
Queria ir até
onde a vida me deixasse
levantando copos e urrando
obscenides
sem sentido
para a Lua.
Minha cabeça balançava ao
som do rádio
e meus olhos
úmidos
de prazer
refletiam faróis
e amores que passavam.
Então
eu o vi.
Duas quadras a frente
empurrando sua moto.
Alguém que
perdia a sorte
e buscava alguma coisa.
Vou ajudar esse infeliz,
pensei.
Pensei também
nas estatísticas
e como eu tinha chances
de ser morto
ou pior
estuprado.
Eu sou uma pessoa
boa
queria fazer alguma coisa
oferecer carona
e mesmo não entendendo nada de
motos ou motores
eu podia tentar ajudar.
E, caso levasse um tiro
ou uma facada,
Deus saberia que eu morri
sendo bom.
Talvez o melhor!
Passaria direto para o Céu
escapando
da burocracia do purgatório
e do enorme pau
violador de Satanás.
Seria um anjo voando
e espiando mulheres tomando banho.
Diminui a velocidade
e quando passei ao seu lado
ele virou para mim.
E quando nossos olhos
se cruzaram
lembrei-me
que não acredito nessa
merda
de
Céu ou
Inferno.
Passei a marcha e acelerei
em direção do
meu paraíso
que vestia, por sinal,
um vestido verde.
E ele ficou lá
carregando sua moto
e eu carregando minha vida
e continuamos
iguais
abandonados
como o resto do mundo.

quarta-feira, 21 de julho de 2010

Como um dia qualquer

Era um dia que não dizia
nada
quinta-feira
e só.
Eu conversava, bebia
e sentia saudade.
Então, ela passou por mim.
Ela que já tinha passado
antes
e tinha ido embora.
E a saudade
não era dela.
A saudade era minha
e de mais ninguém.
E enquanto ela passava
a mão
pelo meu rosto
a saudade
ficou com ela.

Ela me puxou pela
mão
e levou-me para sua
casa.
E a saudade
tinha ido embora.
Guardada em algum
lugar.

Eu estava deitado
saciado e ofegante
enquanto ela esfregava
o rosto em meu braço.
Puxou-me para
perto dela
e pediu para que eu contasse
uma história para ela conseguisse
dormir.
Eu ri
e ela riu também.
E todo esse amor guardado
que eu tinha dentro de mim
tinha que ir para alguém.
Então
apesar de tudo, comecei,
ela era uma menina ruiva, eu disse,
e achou um cavalheiro barbudo
na beira de um rio
e quando ela pediu fogo
ele se entregou...
E fui contando essa
história
nossa história, que não era nada.
E ela se excitava e agarrou-me
pelo pau
e puxou-me para dentro dela.
Ela gemia e mordia meu ombro.
Gritava e eu gritava junto
em silêncio.
E quando eu cheguei ao fim da história
ela gozou
e gozei também.

E nada fazia
mais
muito sentido.

segunda-feira, 19 de julho de 2010

A música da noite é o som dos deuses

É madrugada.
Corre um vento gelado pela
cidade.
Estou parado na sacada
e sopro uma fumaça azul
e verde.
Algo dentro de mim
é feliz.
É, não sei se feliz
mas não tem nada
ruim aqui. Estranho.
Eu rio com os
deuses
que brindam
com a cerveja que corre pelo céu.
Escuto de longe alguma
música.
É jazz.
Meu Deus, é um
jazz maravilhoso.
Escuto o trompete
chorando e jorrando
sangue e suor.
O sax traz tudo
de bom que o mundo tem.
Enquanto os deuses tocam com
seus
trovões e cães latindo.
Eu assobio
e a fumaça
que sai da minha boca
dança como
bailarinas russas.
Imagino de onde
vem esse som.
Fecho os olhos.
E a algumas quadras
à direita
vejo uma mulher sentada.
Ela veste um
vestido
verde.
E lágrimas
vermelhas
escorrem pelas
suas bochechas.
Ela andou bebendo
e tem o coração partido.
A chuva continua caindo
e é um lindo solo de guitarra
batendo nos telhados de
brasilit.
Os deuses urram por
barulho.
E os pássaros noturnos
gritam em desespero.
Aquele vestido verde
está comigo
na sacada
agora
e ela não chora mais.
Ela sorri e abre os braços.
Os carros passam como arcordes
de violino
eles giram e se voltam para nós.
Um orquestra que se
forma nessa noite.
Um orquestra reservada
para quem
consegue escutar.
A gente dança um pouco.
E do seu pescoço
eu cheiro um
mar de flores desconhecidas
que são tão coloridas.
Eu mergulho como se fossem
uma piscina perfumada
e assim
nós nadamos juntos
sem precisar de roupas ou
qualquer pudor.
A minha sacada
é um lugar mágico,
eu penso.
Enquanto aquele vestido
se prepara para dormir.
Eu escuto o som
de um baixo melancólico
que se forma das gotas
que caem na piscina.
Tudo ganha calma de novo.
Os deuses acalmaram-se
querem um grito silencioso.
Querem o sabor da noite
que tem gosto de caramelo.
Eu sopro meu último suspiro
de fumaça verde
e grito para o céu.
Um vento gira ao redor
de mim
e me levanta até as nuvens
onde eu deito e espero
a sinfonia
da próxima noite.


segunda-feira, 12 de julho de 2010

Adeus, medo do espelho

Entrei no elevador.
Um espelho
olhou para
dentro de mim
então
abaixei os olhos
e dei as costas para ele.
Algumas pessoas me olhavam.
Sentia alguém me chamar
alguém que
não me tocava
mas podia sentir
uma mão puxando meu
rosto
para o espelho.
Não resisti
e encarei meu reflexo.
Um enjôo tomou
conta de mim.
Algo chutava minha
barriga de dentro
para fora.
A dor ficava mais
e mais forte.
Senti a pele cedendo.
E foi rasgando
desde minha garganta
até minha cintura.
E uma perna saiu de lá.

As pessoas gritavam
e alguém apertou o botão
de emergência.
Uma senhora ajoelhou-se
aos meu pés e chorava.
A mãe cobria os olhos
do filho,
enquanto um senhor de
terno olhava
para mim
em reprovação.

Depois outra perna saiu
de dentro do corte
e logo havia um
homem parado a minha
frente.
Lembrava-me dele
tentou me matar
algumas vezes.
Nós éramos iguais.
Mesmo olhos, boca
nariz, tamanho
tudo.
Era eu.
Nós nos encarávamos,
não gostávamos um do outro.
Mas ele sorriu
e tirou um pássaro
morto de dentro do bolso
e balançava aqui
perto do meu rosto.
"A vida é ver o pássaro morrer
em nossas mãos
sem poder fazer nada
e sorrir quando ele nasce de novo",
disse.
Segurou minha mão
e deixou o pássaro
comigo.
Agarrou meu rosto
e disse que me perdoava.
Passou os braços por
mim e me abraçou
cada vez
mais forte
e senti suas lágrimas correrem
pelo meu ombro.
Minha camiseta ficou
encharcada e não
segurei as lágrimas
dentro de mim.

Escutava as pessoas chorando e
gritando de horror.

Senti algo se mover na minha
mão
e quando abri os dedos
o pássaro voou sobre nós
e nós nos olhamos
novamente
e choramos juntos
pelo perdão
nosso perdão.
Nos abraçamos e
eu era um só
quando ele foi embora.
Encarava o espelho
e sorria.
Sem enjôo
sem ressentimento.

E enquanto o segurança
me arrastava para fora
do prédio
eu sorria com o peito
e braços
abertos.

domingo, 11 de julho de 2010

A fuga é uma panela de pressão pronta para explodir.

Eu já senti falta
antes.
Eu já amei.
Eu já vi uma boca
ir embora
e esperei pela próxima.
E a próxima
fazia tanto sentido.
Eu esperava
ela.
Eu passei
tempo
fazendo essa boca
ir embora.
Nada novo
nada velho.
Eu queria fugir
da dor
de não poder ser o que
a boca
queria.
Mas eu fui
preso.
Me sento nessa jaula
e espero alguma
notícia.
Eu vou em frente.
Experimentando
bocas novas
bocas boas.
Bocas que
não são nada.
Me sinto tão vazio.
Fisicamente.
Eu respiro fundo
e não há nada
aqui dentro.
Há um vazio
que ela deixou.
Que logo será preenchido.
Que logo não será
dela.
Que logo
vai me fazer esquecer
o que fez
tudo valer a pena.
Eu tentei chorar.
Juro.
Achei que as lágrimas
me fariam bem.
Achei que lavaria ela
embora
de mim.
Mas as lágrimas
nunca
vieram.
Assim
como ela nunca
foi.
Eu sinto saudade.
Meu Deus,
eu sinto tanta saudade.
Sinto saudade
do que não quis.
Sinto saudade daquela
boca que
tentei fugir
e que não vejo maneira
de fugir de mim.

Sim, logo eu acho outra boca.
Logo eu esqueço.
Mas continuo
caminhando
de tanto medo
do dia
que não irei
conseguir lembrar.

quinta-feira, 8 de julho de 2010

Os dias passam como uma flor que morre.

Eu lembro daquelas noites
quando eu dormia
depois.
E lembro de como
sempre tinha um chocolate
para nós.
E do jeito que ela gozava
e dizia que adorava
me ver gozar.
E lembro daqueles olhos
fechados
e de como ela sorria
sem acordar
com um sussurro no
ouvido:
"linda".
E o jeito que
ela mexia os pés
junto aos meus.
E se ajeitava
esperando um abraço.

Agora
eu penso nisso tudo
e
dói.
Dói uma dor
boa.
Algo que me faz sorrir.
Enquanto eu deito
na minha cama
sozinho
e como um chocolate
porque foi tudo
que ela deixou.

terça-feira, 6 de julho de 2010

O corte.

Hoje eu acordei
meio tonto
sentindo um liquido
que grudava o lençol
em mim.
O líquido era vermelho
sangue
e a tontura
era só alguma coisa
que não estava ali.
Empurrei os cobertores
e lençóis para o chão.
Vi uma linha
que corria
desde a minha
terceira costela esquerda
até a quarta
do outro lado.
Passei o dedo
por ela
bem devagar
com medo
e a linha foi abrindo
aos pouco
num corte fundo.
Separei com os dedos o resto de carne que
ainda
deixava o corte fechado
e
olhei lá para dentro.
Não havia nada.
Nada de sangue
órgãos,
nada.

Estiquei a pele
e enfiei minha cabeça ali.
Havia muita água
e alguns peixes subiram
à superfície e olharam
para mim.
No canto do lago
um gato
se lambia e as
às arvores não tinham sentido
nem porque estarem lá.
Uma criança estava sentada
à sombra de uma
das árvores.
Ela esmagava algumas formigas
com o dedo e
brincava com as que
caminhavam pelo seu braço
E alguém queria matar essa
criança.
Alguém escondido no bosque
por de trás
das galinhas brancas
que se iluminavam
com o sol mais vermelho
que qualquer manhã
poderia querer.

O lago foi mudando
de cor e textura,
a água
se transformando em sangue e vinho.
Os peixes
curiosos
agora
tinham os olhos
vidrados nos meus
e deixaram mostrar
seus dentes.
Piranhas.
Sempre há alguma.
A criança guardava
uma faca
cravada no peito.
E começou a chorar quando me viu.
Então,
tudo foi
ficando escuro
e tudo foi sumindo
aos poucos
até desaparecer numa
mancha negra
que
tomou conta de tudo.

Agora
eu sentia cheiro de bebida;
vodka, talvez.
Escutava tambores e muitas
pessoas rindo.
Meu rosto iluminou-se
no meio da multidão.
Eu tentava gritar
mas não me escutava.
Eu não sorria.
Sentia minha solidão
no meio daquela gente toda.
Sentia que alguma coisa faltava.
Eu bebia. E bebia mais.
Não parava de fumar.
E nunca me vi sorrindo.
Passavam
algumas mulheres
por mim.
E ela nunca passou de
novo.

Quando tudo ficou claro
me vi deitado em minha cama.
Escutava meus pensamentos.
Meus arrependimentos.
A saudade.
Maldita saudade.

Agora eu estava na Europa
e me via rindo
caminhando sem sentido
ou sem vontade.
Por casas tão bonitas
e sem dinheiro para
me apegar a qualquer coisa.
Vi a italiana que guardava
meu coração numa bolsa
pequena
e a carregava grudada ao peito
escondida pela blusa.
Era mais uma noite quente
como esta
mas eu caminhava tranqüilo
pois eu nunca tinha
passado
nenhuma noite quente
com ela.
E ela
não fazia falta.
Molhava meu pé
na água morna
de num mar
sem ondas
e sorria.
Sorria porque
eu podia
porque não tinha nada
mais em mim.
Sorria ao vazio.

E quando eu entendi isso
tirei minha cabeça de
dentro de mim.
Virei para o lado
e voltei a dormir.

sábado, 3 de julho de 2010

Sonhos

Hoje eu sonhei
que estava acordado.
E não tinha dor nenhuma
perto de mim.
Hoje eu sonhei que
estava morto.
E não tinha
dor nenhuma
em ninguém.
Sonhei que me contorcia
na cama
e meus olhos viravam
cuspia sangue
e alguém ria.
Hoje eu sonhei
que tudo voltou a ser como era.
Que a vida
inteira
era um
cachorro se coçando
sob o sol.
Que o amor
fazia algum
sentido.
Que a felicidade
era de verdade.
Hoje
eu
sonhei.

quinta-feira, 1 de julho de 2010

Àquela.

As lágrimas não querem cair.
O peito ainda
dói. Um dor
boba.
Uma dor que
pede um abraço
e nada mais.
Eu sinto saudade
daquela
boca.
Daqueles seios.
Eu sinto saudade
dela.

Eu sei, eu disse
que não iria mais sentir
saudade.
Que isso era um sentimento idiota.
Que o amor era para ser
entregue
e não guardado.
Mas aquela boca
me engoliu
um dia.
Eu não sei como
não vi nada
não senti.
Foi aos poucos.
Me engoliu num sorriso.
Me engoliu falando
"quero você".

Agora, eu sinto isso
isso que chamam saudade e
mesmo estando dentro
daquela boca
eu grito
a ela:
Saudade.

sexta-feira, 25 de junho de 2010

O bom

Estilhaços de vidro
pelo chão.
Eu sou uma pessoa boa.
Sei que sou.
Pego um ônibus
qualquer.
Choro uma lágrima
qualquer e procuro
alguma coisa.
Sou bom. Eu
sei.
Tenho alguma coisa boa
em mim, que é
só minha.
A mão ainda sangra
um pouco.
Retiro alguns cacos
dela.
Sorrio com os olhos
cheios de água.
Molho minha boca
e falho em alcançar
minha alma.
Agora, bem, eu sei
estou sozinho.
Sensação estranha
e tão antiga.
Até que sou uma
pessoa boa.
Tenho, na mochila,
algumas camisetas,
blusões, cuecas, e
esqueci das meias.
Sou o que não
existe. Invisível,
gordo, rejeitado
uma lástima.
Eu queria ser
uma pessoa boa.
Tenho sentimentos,
sabe?
Sinto tanta dor,
tanto medo, ódio
e me apaixono todo dia.
Sou um filho
bastardo
que nasceu
legítimo.
Nossa, eu tenho
tanto medo.
Tenho medo, aqui,
nesse bar.
Medo do próximo gole
e de mim.

Me imagino feliz.
Escrevendo sentado
em algum banco na beira
do Thames.
Olho para o parlamento
sorrio junto a Lua
o frio é meu amigo.
Tenho algum dinheiro
no bolso. E alguém vai ler
isso que estou escrevendo.
Me vejo caminhando sob
o Sol da manhã em
Camden Town
pensando no que
vou escrever depois.
Sobre meus amores
que são tantos,
e tão bonitos.
Me vejo sozinho
em meu quarto
na Finchley Road
tomando um belo
vinho francês e fumando
cigarros espanhóis.
Um cosmopolita.

Então, vejo a solidão
e nos abraçamos
como velhos conhecidos.
Busco nas ruas de
Porto Alegre um consolo
qualquer.
Até me sinto bem
hoje.
Eu sou uma
pessoa boa.

segunda-feira, 7 de junho de 2010

Mentira

As coisas são tão simples
quando se olha de perto.
Nada é mentira
se eu sinto de verdade.
Mesmo que passe como um trovão
e faça estrago com um terremoto
e dure menos que uma gozada.
É verdade quando não se pensa.
É verdade
quando não se olha.
Quando se faz por fazer
e só isso
o fazer por não ter outra escolha
por ser a unica alternativa
por ter se entregado
nunca é mentira.
Então não diga que eu me engano
que tenho medo dos meus sentimentos
porque eu me atiro neles
mesmo mergulhando numa piscina de merda.
Eu me atiro para o que der
e vier.
Eu vôo, às vezes também,
mas isso nunca
foi escolha minha.

quinta-feira, 13 de maio de 2010

Momento feliz 4

Um pena voa solene
pelo quintal. Faz círculos,
desenhos invisíveis
sobe
desce
vem bem pertinho de mim
e então
voa embora.
Uma brisa balança
as flores.
Pássaros cantam
baixinho.
O rádio toca um samba
triste.
E tem esse cinzeiro azul
na minha frente
quase
transbordando.

Acendo um cigarro
Olho para os lados
e não vejo nenhuma mulher.
Não me seguro
e começo a rir.
Dou uma tragada
sopro a fumaça longe.
Ainda tenho alguma coisa para
beber.

É, em breve elas voltam,
em breve. Enquanto isso
eu aproveito o quintal.
Sorrindo
e me preparando para
elas
para a próxima
facada.

Fico em silêncio
-sorrio, fumo, bebo, escuto-
e aquele cinzeiro
parado
na minha frente
sorri
um pouco também.
Vejo um pássaro
parado no fio elétrico
falta uma pena nele.
Um pássaro comum
perdendo um pouco de si
para agradar quem fuma
e bebe sentado
na varanda.
Igual a qualquer um de nós.

terça-feira, 27 de abril de 2010

A boca

Outra vez
outra janela.
Eu fumo
olhando as árvores
balançarem com
o vento gelado.
Sinto frio,
um frio bom
quase
um abraço.
Olho para trás
e vejo um espelho
e nele
uma massa de carne
feia
cheia de coisas
que já passaram.
Eu pego meu cigarro
e assopro
a brasa.
E de lá
estrelas cadentes pulam para o céu.
E a Lua sorri
um pouco.
E eu sorrio para ela.
E minha vida vai
em chamas
voando por entre
as árvores.
Então
eu não consigo parar de rir
pensando em tudo aquilo
nas estrelas cadentes
no espelho
na massa feia de carne
na minha vida
nas árvores
e naquela janela
que é uma
janela
nova.

A porta se abre
e por ela
entra uma boca
uma boca enorme
que sorri
e me mata um pouco
que sorri
e me tem
que sorri
e me faz esquecer
aquele espelho e
aquela janela.

Toco o cigarro fora
e ele cria asas
e voa para o céu
explode como
fogos de artifício
como ano novo
como novidade.
E aquela boca
continua sorrindo
e a gente fica
olhando aqueles fogos
no céu.
E a gente sorri
e gargalha.
Então
a gente deita
e ela me engole
e eu durmo
confortável
dentro dela.
E aquela massa feia
não é tão
feia
assim.

terça-feira, 13 de abril de 2010

Vestido verde

Um vestido verde
caminha pela rua
e ele pára
o tempo e a vida
cria e acaba
guerras
colisões de trânsito
ereções
ejaculações
leva homens
a sanatórios
ao alcoolismo
levanta pontes
prédios
todos os caminhos
que levam de volta
a ele.
Um vestido
verde
tem mais poder que
qualquer presidente
que qualquer país
um vestido
verde
é o fim
e, normalmente,
é o começo.
Muita coisa depende de
um vestido
verde
a vida
a morte
o ar
eu
você
eles
nós
e até essas palavras
só existem
pelo
vestido
verde
que corre em mim.

segunda-feira, 29 de março de 2010

Dança

Eu parei
perto dela.
E ela não olhava para mim
e eu não conseguia olhar
para outra pessoa.
E eu dançava.
Patético, eu
dançava.
Eu que
nunca dancei.
E abanava meu rabo
como um cachorro no
cio
numa tentativa
desesperada
de parecer
normal.
Sem muito
sucesso, é
claro.

Tem um cigarro?,
ela perguntou.
Puxei um maço
do bolso da camisa, tirei
um
botei na sua boca
e acendi.
Logo depois
fiz o mesmo para mim.
A gente devia dançar,
ela sugeriu puxando meu
braço.
Eu tentei, tentei observar as
outras pessoas
repetir os movimentos,
esquecer toda aquela cerveja
e toda aquela vodka
que me fazia virar sempre
mais do que devia
e quase cair por cima
dela.
Ela ria a cada passo.
Não sei dançar, mas eu amo
como ninguém,
gritei no seu ouvido.

Ela parou,
olhou para mim,
e sorriu.
Ela sabia que eu era
maluco.
Só não tinha percebido
até aquele momento.
Pediu licença e foi
ao banheiro.

Pedi uma cerveja
esperando ela
não voltar.
E eu nunca mais
danço outra
vez.

segunda-feira, 15 de março de 2010

Era um carro, era uma despedida, era tudo outra vez.

Ela estava parada
na minha frente
esperando um abraço
esperando para ir embora.
E ela me olhava
de cima a baixo
e tinha amor naqueles olhos.
Era um espécie de admiração
e desejo.
Um olhar que só
queria meu bem
queria me confortar
me amar
me envolver.
Os olhos diziam para eu mergulhar
ali
para eu entrar e nunca mais sair.
Ela sorria com
vergonha
e os olhos não tinham constrangimento
algum
em me convidar
para dançar.
Ela me abraçou e eu
abracei ela
forte e mais forte.
E senti o cheiro
do seu pescoço
o único cheiro que
havia no mundo.
E enquanto nos afastávamos
Aqueles olhos
olharam os meus
e viram
exatamente
a mesma coisa
que saía dos
olhos
dela.

terça-feira, 9 de março de 2010

Sandra 2

Sandra
finalmente
desistiu.
Não queria beleza.
Se dedicou ao amor.
Se dedicou ao pau duro.
Se dedicou a não procurar.
Então, Sandra me achou.

Sandra tinha um vestido verde
e unhas vermelhas e sapatos
brancos.
Eu tinha todo o amor do mundo
nas costas.
E, sem beber muito,
um pau duro.

A gente sentou
e a gente bebeu.
E a perna dela foi passando pela
minha
e ela tocou
aqueles peitos
que vinham do céu no
meu braço.
E ela me olhou
e eu morri um pouco
e ela sorriu
e eu nunca me senti tão
vivo.

Sandra falava qualquer
coisa
como se fosse importante.
Falava de amor, com paixão
como uma mulher que
nunca foi amada.
Sandra não escondia sua
beleza
mas não mostrava
não era preciso.
Ela tinha um jeito de deixar
você saber
que estava tudo
ali
somente com uma palavra
com um sorriso.

A gente continuou bebendo
e ela pedia uísque
enquanto eu
ia na vodka.
E a gente
intercalava
com algumas cervejas.

E a perna dela
ia
tocando na minha
e os peitos já conheciam o meu
braço.
E na metade de um gole
ela me beijou
tirando o copo da minha boca.
E ninguém se importava com beleza.
E ninguém se importava com nada.
E a gente caminhou
juntos para a casa dela.
Era madrugada. E não tinha
perigo ou problema algum
que um beijo não
resolvesse.

A gente subiu as escadas.
E quando entramos no quarto
poucas roupas restavam
para se tirar.
E a bebida não foi um problema.
Sandra achou um pau duro.
E quando a gente pegava
no sono
olhando aquela luz que vinha
dos olhos dela
e não me deixava dormir
eu me apaixonei. E assim
Sandra achou o amor.

E a gente
dormiu
assim
esperando
a decepção
vir
e estragar tudo
o que parecia que
era para ser.

segunda-feira, 8 de março de 2010

Sandra

Seu nome
era
Sandra
e as pernas
de Sandra
paravam qualquer bar
em qualquer lugar.
Ela tinha olhos
como todo mundo tem
mas os olhos de Sandra
tinham mais luz
que qualquer outro.
Seu nome era Sandra
e ela tinha peitos redondos
que apontavam para o céu
como uma prece
como um foguete
como o que merece ser louvado.
Seu nome era Sandra
e ela falava de amor e pau duro
e ela queria amor
e
pau duro.

Sandra bebia uísque
e cerveja
e fumava Lucky Strike.
Seu nome era Sandra
e Sandra queria Pedro.
E Pedro tinha olhos azuis
e um corpo malhado.
Pedro queria Sandra.
Todos nós queríamos.
E enquanto
Sandra amava
ele comia.
Enquanto Sandra
beijava
ele queria.
Enquanto Sandra
abraçava
ele sorria.

Sandra sabia o que era amor
pelo menos
ela achava que sim.
Sandra queria se apaixonar e
ser amada
ser Sandra não bastava
era diferente
qualquer mulher queria ser
Sandra
mas
para Sandra
isso era pouco.
Pedro queria sexo
só sexo
não sabia o que era amor
os olhos de Sandra não significavam
nada.
Sandra era peito e bunda
e aquela boceta.

É difícil a vida das pessoas bonitas
presas no instinto de reprodução
ideal
sem amor ou verdade
mas o sexo
ah, o sexo parece ser bom.

segunda-feira, 1 de março de 2010

Trabalho

Aqui, sentado
na frente de um computador
esperando
esperando trabalho
a hora de ir
a hora de chegar
esperando meu quarto
tudo parece tão estúpido.
Tudo é tão
estúpido.
Então
eu olho para as árvores
pela janela
e elas são tão verdes
iluminadas pela luz
amarela
do Sol.
Não vejo saída disso
tudo.
Me vejo caindo
do cavalo
da vida
me vejo morto
sozinho
me vejo sem ilusão.
E tem um vento
que sopra pela janela
e deixa meu rosto gelado
e seca meus olhos.
Só me resta
levantar o queixo e
deixar o vento
me envolver.
E tudo, assim
de repente
parece mais calmo
parece diferente do que
devia ser
parece bom
parece mentira.
É mentira.
Eu só
quero liberdade
suicídio e
um pouco de amor.
Eu quero a solidão.
Eu quero um abraço.
São 17:30
Falta meia hora
e eu saio daqui. Vou me trancar no meu quarto
ler um pouco, fumar
talvez até chorar;
é, hoje eu merecia chorar.
Tem essa tristeza que está a minha
volta
essa coisa estúpida
essa coisa que é a vida
a merda toda.
Hoje eu merecia chorar
e só de ver essa luz
amarela
naquele verde
glorioso que
vem das árvores
eu sei que eu merecia chorar.

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Momento feliz 3

O sutiã abrindo
com uma mão
fácil,
um botão
que se solta
como quem quer
se abrir.
Um suspiro
um gemido.
E um pau duro
que é
nada mais
que a comprovação
de que tudo
é
exatamente
o que devia ser.

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Sobre carnaval e postes-de-luz

Era carnaval e era Santa
Catarina.
Era uma festa e era um lugar
de gente
bonita
de gente
com dinheiro
de gente
que precisa de carnaval.
Eu caminhava por entre
as pessoas
e não via muita vida nos olhos
delas
e elas eram hostis,
sempre quem tem tudo é
hostil com quem não tem
nada.
As mulheres eram lindas
e arrumadas
e ninguém ficava bêbado de verdade
eles só eram um pouco mais
felizes.
As mulheres não tinham nada
o que eu quisesse
talvez o corpo
eu entraria nelas
eu comeria elas
mas eu não me apaixonaria
por nenhuma;
não valia a pena tentar.
Eram postes-de-luz
que erguiam o nariz e faziam
cara feia
para todo mundo.
Por que um poste-de-luz
levantaria o nariz?
Por que um poste-de-luz
se acharia melhor
que um poste qualquer?

Bem, era carnaval
e eu não queria estar ali,
um sangue ácido corria
por mim
e me fazia sentir bem
e rir e gargalhar.
Eu queria gritar.
Era carnaval
e o carnaval é para as pessoas
que precisam do carnaval.
Ali nasce um amor
que morre com a luz do dia.
Os postes-de-luz precisam disso.
Eles precisam do carnaval
para se libertarem.
É uma desculpa.
Nós não
nós não precisamos
de carnaval
nós somos
ele.

E eu ri pensando
nisso,
meu Deus, eu ri
ajoelhado no chão.
Dançando e pulando na areia.
Cantando.
Pedindo samba,
amor e que eu sumisse
dali.
Era carnaval, e se não fosse
seria qualquer dia
com amor e sexo
como qualquer carnaval.

E para que os postes-de-luz
vivam mais um ano,
eles precisam saber que em fevereiro
tem carnaval
e que eles podem ser e sentir como
eu sou e sinto o ano todo.
Eles podem ser livres deles
mesmos.
Livres da sociedade.
Tem carnaval, postes-de-luz,
todo dia, eu mostro onde
eu mostro como,
mas, por favor,
abaixem essa porra
de nariz
em primeiro lugar.

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Momento feliz 2

Dizer sim e não
ou não dizer nada
sorrir
gritar, gozar
amar
pensar na vida
com uma brincadeira
como amarelinha
sem rodar como o pião
ser sem sentido.
Não precisar fazer sentido.

terça-feira, 26 de janeiro de 2010

E quando a faca encosta a garganta e quando tudo acaba é hora de desistir e voltar a sorrir.

Cara, ele começou, não sei o que fazer
eu preciso comer alguém
eu sou inadequado, um idiota.

Era um bar vazio e com muita luz
meus olhos ardiam
e uma nuvem de fumaça
cobria nossas cabeças.

Não acho ninguém, ele se lamentava,
faz quase um mês, e ninguém. Eu até me apaixono
quase toda noite
mas eu sou feio, cara, eu sou feio pra caralho.

Não, meu querido, tu não é tão feio assim, eu tentei,
quer dizer, a gente não é as pessoas mais
bonitas
do bar, e só tem cinco outros homens aqui,
mas a gente sabe falar
a gente fala de amor.

Não faltava cerveja na mesa
e eu ainda tinha uma carteira de cigarros
fechada.
A luz ficava cada vez mais forte
as pessoas mais bonitas
e nós mais feios, mas
isso
isso eu deixaria pra mim.

Foda-se, ele sorriu, foda-se
é melhor assim, a gente tem a cerveja!
Não esquece do cigarro, acrescentei.

A cadeira do canto da mesa saiu do lugar
sozinha,
mas tinha uma mão puxando o encosto.
Unhas vermelhas, que subiam
para um braço moreno
e chegavam num pescoço fino
que se iluminava
com um verde esmeralda
que descia dos olhos da mulher mais
bonita que se podia ver
em todo o bar.
E, naquele momento,
em todo o mundo.

Ela se sentou.
Virou para ele e
conversaram baixinho
enquanto eu tomava conta
da cerveja e do cigarro.

Em vinte minutos eles se levantaram
e se despediram.
Para a casa dela, eu acho.

Encarei meu copo, enchi mais um pouco
abri a outra carteira de Lucky Strike
e senti pena de mim mesmo.

Quando um homem chega no limite,
quando um homem não se aguenta mais
é que as coisas boas acontecem.
Ah, podia ter sido eu a começar a reclamar
ah, eu tinha tudo aquilo pra
dizer.
ah,
a cadeira se mexeu sozinha,
e no encosto da cadeira
tinha uma mão.
E a mão tinha unhas vermelhas.
E era um vestido verde
parado ali.

Ah, como é bom se odiar,
de vez em quando.

domingo, 24 de janeiro de 2010

Momento feliz 1

Muitas vezes
enquanto o sol brilha
um quarto
de cortina baixa
sem muita luz
com uma pessoa
sozinha
lendo Cortázar
é só felicidade.

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Eu

Sem muita coisa pra dizer
e gritando insanamente
um urro sem controle
repleto de verdade
com ódio pelas que pessoas que passam
e um amor tão verdadeiro que só podia
passar rápido.
Uma vida de medo, e sem frescurra
uma vida assim
em 21 anos seguidos
com prazer e desgosto
com amor e desamor.

Um olho que brilha de idéias tolas
e embriagadas.
palavras patéticas e uma barba
molhada de cerveja.
Procurando sorrisos, olhares
com a idéia de que o amor
vai fazer tudo ser o que devia.
Sem saber o que devia ser.
Sem ter para onde ir.
Chorando muitas vezes
com filmes e mulheres e pesadelos acordado.

Alguém de verdade.
Acreditando sempre nela
e mentindo toda a hora, só para viver
mais um segundo
só para arrancar algum sorriso
de alguma boca.
Procurando auto-estima em algum lugar
procurando
em bares
ruas
livrarias
a felicidade
ou -o que realmente existe-
momentos felizes.
Sendo tudo o que não queriam que fosse
sendo eu
sendo o que posso
sendo o melhor que deu.
Com um sorriso tímido no canto esquerdo
da boca
pedindo desculpas constantemente
desculpas por estar
por saber
por falar
por calar.
Mudando todo dia, todo segundo
mudando após o primeiro gole
após o segundo
e trazendo a sujeira da vodka.
Me declarando para desconhecidas
falando de amor e de eternidade
sem saber direito o que é amor e eternidade
(mas quem sabe?)

Caminhando pela rua
esperando um abraço
um toque
um aperto de mão.
Sendo brega.
Sendo eu.

domingo, 10 de janeiro de 2010

Qualquer coisa em qualquer lugar

As pessoas diziam que ele
estava louco
que ele tinha perdido
que não tinha cérebro ou
coração.
EU CAMINHO PELO CENTRO
E VEJO PESSOAS CAMINHANDO
COM ROUPA DE ENTERRO
E SEUS OLHOS PULAM PARA FORA
DAS ÓRBITAS
E ELES TEM UMA CORDA NO PESCOÇO,
ele gritava no consultório psiquiátrico.
Ele vivia sozinho
num apartamento sem sala nem
cozinha
no centro da cidade.
O canto esquerdo da sua cama
era só garrafas espalhadas pelo chão
o direito
um grande cinzeiro.
ALGUÉM AMARROU MINHAS BOLAS!
ELES PUXAM
E ELES PUXAM FORTE.
TODA VEZ QUE EU PENSO É UM PUXÃO
TODA VEZ QUE EU FALO,
ele berrava.
As pessoas sentiam pena,
ele era feio, diziam, mas por trás
daquilo tudo, por trás
daquela enorme barba
daquele ódio, tinha alguma
coisa
que um dia lembrou beleza.
EU ERA UMA PESSOA BOA
EU AMAVA
EU AMEI MUITO.
AS PESSOAS ME MACHUCARAM
NUNCA VIRAM BELEZA EM MIM.
EU TINHA BELEZA
ERA SÓ PROCURAR
LÁ DENTRO, POR TRÁS DISSO TUDO,
EU TINHA ALGUMA COISA,
urrava.
Ele tinha 50 ou 80 anos,
não se podia notar diferença,
ele achou uma mulher.
Ela olhou por cima dele
viu em seus olhos
um brilho escondido
uma verdade constante.
Ela se entregou. E ele se entregou.
Ele viveu feliz alguns anos, mas ela foi
embora.
Foi embora com alguém melhor, isso deixava
tudo mais difícil.
EU NÃO FUI SEMPRE LOUCO
ALGUNS DIZIAM QUE EU SABIA
DAS COISAS
QUE EU FALAVA SOBRE O AMOR
COMO UMA COISA BONITA.
NÃO SEI PORQUE.
ISSO TUDO FEDE.
EU DEMOREI 55 ANOS PRA ESCREVER
UMA LINHA QUE PRESTASSE
55 ANOS, PORRA! E AGORA
NUNCA MAIS VOU REPETIR
NADA PARECIDO.
O senhor era escritor?, perguntou
o psiquiatra.
NÃO, EU ERA PADEIRO
NUNCA VOU ESQUECER
"6 PÃES, MORTADELA,
QUEIJO LANCHE, 3 LITROS DE LEITE
PARA A CADELA DE
VESTIDO CINZA." LINDO!
PERDI O EMPREGO, MAS VALEU A PENA.
O médico limpou a garganta
e fez os barulhos ridículos que os médicos
fazem.
E essa foi a frase mais bonita
que escreveste?, perguntou nosso querido
PhD.
NÃO, respondeu, FOI O BILHETE.
"AQUELA CADELINHA
VINHA AQUI, CHEIRAVA O RABO
DOS MACHOS, ABANAVA O SEU.
AQUELA CADELINHA DE PEITO PEQUENO
E VESTIDO CINZA
TINHA UM MACHADO NO MEIO DA TESTA,
NUNCA FOI VISTO,
MAS EU DEI UMA PEQUENA AJUDA."
O médico levantou apressado
da cadeira
ergueu o indicador para o céu
balançando-o freneticamente.
Olhou nos olhos do paciente
e gritou,
" Isso é um absurdo! Um absurdo, eu digo!
Tu disseste duas frases! Sai do meu escritório, AGORA!"
E a cadelinha de peito pequeno
sangrava
enquanto as palavras impediam
qualquer tipo de justiça.
Enquanto o paciente ficava sem ajuda.
Enquanto a vida só queria forma
e esquecia do suco que tem aqui dentro.
Como o abacate e o sol congelado ali
dentro,não é, mestre?