segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Yin-Yang

Houve uma época em que eu saia com duas mulheres:
uma loira, outra morena. E todo dia
eu escutava o mesmo cd
no rádio do carro. Hora com uma
hora com outra. Fazia sempre sol, e eu me sentia
muito calmo, dirigindo pelas ruas de óculos escuros.

As horas passavam preguiçosas. Sem problemas.
Sem ansiedade.
Uma enchia qualquer sutiã. A outra, cabia na boca.
Uma fazia com que eu não sentisse tão mal
e eu já não era ridículo por não saber o que fazer
com as mãos, parado, esperando um café.
A outra me fazia carinho durante a noite.
Fumaça e cerveja. Ela com as mãos no meu peito
os dedos entrelaçando pêlo e suor.

Me aceitavam. As duas.
E se entregavam, com todas as suas
armas no chão. Tudo tão simples e bom.
Nós, dirigindo em direção do Sol.
As mesmas músicas.
Uma e a outra.

Só estar com elas, no mesmo quarto,
na mesma cama, fazia com que eu me sentisse
bem. Satisfeito com a crise das bolsas mundiais.
Sem medo do que vinha pela frente. Segurando
meu coração, do alto da montanha, para quem
quisesse ver. Completamente nu.

Mas isso foi há muito tempo. Eu já morri
muitas vezes desde então.

Acendo um cigarro e abro o jornal.
Leio sobre uma pessoa que não conheço
que está com câncer.
O mundo inteiro sai dos trilhos
e pessoas começam a cair
como chuva
da minha janela. Anjos descem do céu
exigindo vingânça. Cachorros comem a carne de cachorros
pelas ruas. E os homens que batem no chão
lutam pelas sobras.

Ligo o rádio para entender o que está
acontecendo. Sintonizo nas notícias
que, por algum motivo, toca aquele cd do meu carro
e o cantor diz:

da próxima vez.



sábado, 12 de novembro de 2011

O jogo

Quando você se dá conta, está deitado num campo de areia
uma espécie de Coliseu particular.
Você carrega em seus braços um pano, como um cobertor
que você mesmo teceu, mas não sabe porque.
Não consegue entender aquilo tudo, pricipalmente
quando, sem esperar, uma mulher cruza todo caminho
até você. Ela corre e derrama mel e sangue dos olhos.
Instintivamente, você sabe que ela quer lhe machucar
que ela corre para a sua destruição, para lhe matar.
Então você consegue desviar algumas vezes;
você é rápido e tudo que quer é ir embora de lá.
Você não entende nada, mas tem seu coração.
E você tem medo, você quer apenas um cigarro e
uma cama para que possa descançar.

Até que, numa de suas investidas, ela
para há dois metros de você e
ela tem olhos luminosos
e você olha aqueles olhos e
a boca dela sofre uma pequena elevação no encontro dos lábios
e você olha aquela boca e
suas pernas escondem alguma coisa santificada
e você olha aquelas pernas e
seu cabelo cai sobre os ombros
e você olha aquele cabelo
e sente um frio subindo a espinha
parando no peito e causando algumas
dores abdominais. Você acha que vai vomitar.
Mas não vomita. Você apenas entende tudo.
Entende porque teceu aquele pano
porque está ali e, pricipalmente, porque ela quer
lhe matar.

Você espera ela cansar e corre até o extremo oposto
do campo. Ela de um lado, você do outro.
Você respira fundo algumas vezes. Toma coragem.
Ela vem correndo contra a sua direção e você corre
até ela. Algo em torno de 500 metros até
se encontrarem no meio do caminho.
Você levanta seu pano até à cabeça
com a barra arrastando no chão.
Quando vocês se encontrarem, irá jogar o pano
em cima dela. Cobrindo-a totalmente. E irá dar
um nó na parte das suas costas, para que não
se livre tão fácil e para que você a segure melhor
no colo ou deitada.
Seu coração bate mais forte a cada passo.
Você nunca antes havia
corrido de pau duro. Com o coração saindo pela garganta.
Vocês se aproximam e os olhos dela queimam os seus.
Ela ri. Você está em pânico. Mas vai conseguir,
você sabe disso. É a sua vez. Você entendeu o jogo todo.
E quando você vai jogar o pano
ele se prende no pé dela,
que deu um passo a mais. Sem que você pudesse
imaginar ou entender.
Então você cai no chão. E a areia lhe corta inteiro
pernas, braços, peito, rosto, tudo.
Você está cheio de marcas que irá carregar
para o resto da vida.

Então você levanta, e nem a mulher ou pano
estão alí. Você está sozinho e não consegue
ver nada a sua volta. Nada. Até o horizonte
nada.
Você respira fundo e, como num milagre,
acha uma carteira de cigarros no bolso.
Você acende e dá uma longa tragada
realmente se esforçando para sentir
alguma coisa. Uma lágrima rola pela bochecha.
E você se dá conta que ainda
tem seus cigarros, sua cerveja e que vai conseguir
algum dia tecer outro pano, dessa vez
mais forte e curto.
E, de algum modo, você sabe que em breve
outra mulher aparecerá por alí.