domingo, 26 de agosto de 2012

um poema para as águas

como pela primeira vez, encosto a garrafa
contra meus lábios
e deixo a água entrar.
sinto a água escorrendo por todo meu corpo
caindo pelos meus ombros e braços
sinto os dedos gelarem
de dentro para fora
como se fosse a felcidade chegando -
e, meu deus, o que é a felicidade chegando?
apenas dou mais um gole - e acredito.
lembro de um poema de Frank O'hara
e me sinto - também - o centro
de toda a beleza.

penso que deveria escrever um poema
sobre isso.
sobre como é possível ser terrivelmente feliz
bebendo água
às duas da manhã.
penso nos olhos daquela mulher
e eu prometi para mim mesmo
curvado sobre meu próprio túmulo
que jamais voltaria a pensar nela 
(cinco vezes, apenas nesta semana).

eu realmente deveria escrever um poema sobre isso
sobre como beber água pode fazer tanto sentido
sobre como é possivel sentir a vida correndo em nós
sobre a liberdade e a solidão das duas da manhã.

com o poema certo, tudo é possível.

coloco a garrafa sobre a mesa
plástico e mais plástico
inútil e vazio
o plástico que um dia acabará com a terra -
dizem.
Vejo nossa imagem e semelhança. 

acendo um cigarro olhando para a lua lá fora e
penso nela.

sorrio e uivo desesperado.
nunca chego realmente a lembrar de escrever o poema
sobre a água.

eu vejo o mundo inteiro da minha janela -
agora é fácil:
o sentido está dentro de mim.
esqueço os olhos dela - que brilham mais que a lua
lá fora - e
a deixo descansar sobre uma pilha de rascunhos -
apenas má poesia.





alguém deveria escrever um poema sobre
todos os poemas que a gente nunca chega a escrever.