segunda-feira, 12 de novembro de 2012

o peso do ar

o sinal muda do amarelo para o vermelho
e eu paro numa encruzilhada -
sempre numa encruzilhada
eu paro e eu olho
pela janela do carona.
um carro se aproxima
e freia um pouco antes de bater
no outro carro, estacionado a sua frente.
eu vejo um homem muito branco
com o rosto meio azul iluminado pela
luz do celular no seu colo
balançar as mãos com raiva
xingando e amaldiçoando o motorista
do carro da frente que
continua distante, exceto por
ter respirado um pouco mais fundo com
o barulho das rodas se segurando ao asfalto.
e eu odeio aquele homem
e eu odeio a sua gravata muito apertada no pescoço
e seus dedos longos pendurados no fim de seus braços
e seus olhos apertados contendo a mais feia das loucuras:
uma loucura morta
que busca o que está morto.
e eu odeio aquele homem
sem tentar entender a sua raiva
sem motivo - apenas
por algo que eu acredito
e tento impor.

e quando o sinal muda do vermelho para o verde
eu acelero, realmente me sentindo muito mal
como se eu não pudesse respirar
como se o ar pesasse.
eu dirijo com a sensação que nós dois
(eu e o homem do carro ao lado)
somos uma mínúscula parcela do que há
de errado com essa quase insignificante
civilização que flutua perdida dentro desse planeta
que flutua perdido por uma imensidão escura
de dúvidas
de mistérios
de falta de sentido
de estrelas mortas e idolatradas.
assim nós impomos sentido ao lado de fora
porque o que mais tememos é que não haja nada lá fora.
então damos vida às estrelas mortas
e criamos motivos para matar
e nos acorrentamos à bobagens à obrigações estúpidas
e louvamos o sofrimento
e buscamos redenção
e esquecemos de achar graça
enquanto enxertamos culpa em tudo que parece livre
em tudo que parece sorrir.

minhas costas doem tentando puxar o ar
enquanto troco a marcha
mas a janela do carona chama minha atenção
novamente e com esforço eu viro o pescoço
e olho para uma árvore quase marrom
e olho para um calçada muito cinza
e faço todo o caminho até dois sapatos
pretos
e subo para um vestido cheio de flores
verdes
e vejo os olhos daquela mulher
que são como dois projetores de cinema
emitindo uma luz quase azul quase cinza
direto para uma parede vermelha.
eu paro o carro no meio da avenida
desço ignorando o resto da cidade
e caminho até aquele muro
e tento entender a cena projetada.
uma navalha corta um olho de um boi
e nós sabemos sobre isso tudo
sobre o boi e sobre a navalha
e ainda assim acreditamos
humano
e de alguma forma
isso parece bom o suficiente
e eu respiro melhor
um ar com cor e cheiro de mel.

então
eu olho para aquela mulher
ali parada e inofensiva feito um predador à espreita
ela olha para mim
projetando algumas imagens na minha
camiseta branca -
sempre imagens tão confusas,
mas que são boas o bastante para lavar
um bocado da culpa embora e fazer com que
eu volte sorrindo para o carro.
e como sempre eu
acelero.