quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

orelhas

eu só consigo dormir com a orelha tapada,
eu conto para ela.

o ângulo reto; minha orelha e eu:
expostos;
o ar soprando meus segredos
que entram como navalhas; vento e segredos
que são do mundo inteiro; o ar,
que não é só meu; eu sinto o
TERROR
como única forma de existência:
o ar.

tenho medo que alguma coisa
entre, e fique lá, expliquei.

ando preocupado ultimamente;
e digo ultimamente por cortesia; pena -
deve ser pecado sentir pena de si mesmo; sinto
o vento pelo quarto; minha orelha exposta é
uma lembrança, um aviso:
sempre há com o que se preocupar.

meu deus,
um cobertor.

é idiota não conseguir dormir sem tapar a orelha
eu sei. ela sabe. desabafo:
sempre esperei que fosse por causa do Van Gogh.
e, embora nunca tivesse pensado sobre isso, parece
uma teoria desenvolvida ao longo de muitos anos.
uma paisagem de arrepios em cenas vibrantes e coloridas,
que eu faço questão de contar em detalhes
enquanto nos deitamos.

TERROR; TERROR; nada é de verdade
ou possível; não há certeza; nunca;
certeza é ilusão; pedaços de um mapa
rasgado; um tesouro que há muito
deixou de existir; a certeza de buscar
o que não está lá;
TERROR; TERROR; a ilusão é
necessária; a vida pré-determinada
em gotas homeopáticas; um labirinto
lógico que ninguém consegue escapar:
não há diferença entre ilusão e certeza.

amasso meu peito sobre suas costas;
meu pau sobre sua bunda;
e não sei dizer a diferença.

ela estica o braço para trás.
tenho a certeza que vai me matar.
mas ela descança a mão no meu rosto
tapando minha orelha.

tá tudo bem, ela diz.
eu sei, eu respondo.