segunda-feira, 2 de setembro de 2013

sobre a poesia

I

eu gosto é da simplicidade;
do jeito fácil que as palavras
descem pela pele
e que quando o leitor atravessa
derme e epiderme de frases
morre e nasce outra vez sem perceber

é como quando você se dá conta
que agora coloca uma toalha para não arranhar a mesa
e você nunca usou toalhas;
e sabe, institivamente, que algo dentro de você mudou;
você se sente maduro, diferente, um homem
e ao sentir isso
sente vergonha, ridículo, quem pensa assim?
mas sorri ao ver as letras que brilham do olho

II

os poemas, a poesia, as mulheres
mudam
assim como você
na exata proporção;
e com o tempo
e com as vezes que sorrimos
com as vezes que cantamos
com as vezes que choramos
e nos deixamos abraçar
os poemas, a poesia, as mulheres
ficam melhores
ou
piores.

segunda-feira, 15 de julho de 2013

o que eu quero

não quero essa idolatria por estrelas mortas
no céu e na terra
essas palavras cheias de respostas
esses rostos em todos os cantos
essa imposição de soluções
esse eterno discurso morto
no céu e na terra
que nós sem querer criamos
e deixamos nos criar
essa inversão entre poder e dever
essa nossa eterna mania de se diminuir
de ser pequeno para impor sentido -
essa necessidade de algo maior.

não, não quero palavras respostas
prontas
em pedras ou folhas amarelas;
quero palavras caminhos
de questões e olhos lindos
percorrendo trilhas
vivas e luminosas. 



quarta-feira, 24 de abril de 2013

eclipse

você se apaixona pela luz
e aos poucos
ela diminui
até tornar-se
ausência

a sala inteira se ilumina
como com luz negra
- a ausência -
o ter algo na frente
os raios que saem de lá

a luz que transborda

lhe ilumina e lhe cega
dobrando seus joelhos
e lhe pondo a rezar
uma missa de miçangas e
panos verdes
e panos azuis e panos vermelhos
e panos laranjas

e tudo escorrendo pelo chão

numa água colorida que
abre caminho pelas rochas
em você
dentro de você
rochas com gosto
cheiro e textura
de geléia

você põe seus pés na areia
abrindo espaço com os dedos
e antes de chorar você ri
como se nada mais
importasse

porque você está vivo
e consegue
rir das ondas do ar
e da falta de sentido
da luz
da ausência
do algo na frente

você joga areia para cima
mas decide não olhar
apenas escuta o barulho
de vidro se
quebrando

alguns olhos são piores
que um eclipse.




quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

as estrelas do Uruguai

ela diz,
vai em frente
pula.
e eu não sei o que há de errado
comigo. eu quero
todos os extremos.
e me vejo só
embaixo de um árvore
soltando fumaça
esperando os prédios cairem sobre
mim.
eu vejo o sol lá longe
atrás do parque
soltando fumaça
esperando que a vida se levante
diante dos meu olhos.
um cordão de ouro descendo do céu. e
eu me agarro nele
soltando fumaça
eu navego pela cidade
paciente e silenciosamente
esperando
esperando

esperando os extremos
enquanto alguém assobia à sombra
enquanto alguém beija
enquanto alguém recua
enquanto meu amigos continuam o mesmo assunto
da primeira vez
dez anos atrás
enquanto a vida me possibilita extremos
enquanto eu acredito que isso pode acabar
enquanto o mundo gira
enquanto eu amo e deixo de amar
enquanto ela espera

e me diz,
acho que é hora de ir; boa noite.

e eu explodo junto das estrelas do Uruguai;
para cair
fugaz
e nasçer de novo
ainda pensando ser o centro do Universo
ainda pensando que nada acontece longe de mim
ainda pensando nos extremos -
eu explodo.

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

o peso do ar

o sinal muda do amarelo para o vermelho
e eu paro numa encruzilhada -
sempre numa encruzilhada
eu paro e eu olho
pela janela do carona.
um carro se aproxima
e freia um pouco antes de bater
no outro carro, estacionado a sua frente.
eu vejo um homem muito branco
com o rosto meio azul iluminado pela
luz do celular no seu colo
balançar as mãos com raiva
xingando e amaldiçoando o motorista
do carro da frente que
continua distante, exceto por
ter respirado um pouco mais fundo com
o barulho das rodas se segurando ao asfalto.
e eu odeio aquele homem
e eu odeio a sua gravata muito apertada no pescoço
e seus dedos longos pendurados no fim de seus braços
e seus olhos apertados contendo a mais feia das loucuras:
uma loucura morta
que busca o que está morto.
e eu odeio aquele homem
sem tentar entender a sua raiva
sem motivo - apenas
por algo que eu acredito
e tento impor.

e quando o sinal muda do vermelho para o verde
eu acelero, realmente me sentindo muito mal
como se eu não pudesse respirar
como se o ar pesasse.
eu dirijo com a sensação que nós dois
(eu e o homem do carro ao lado)
somos uma mínúscula parcela do que há
de errado com essa quase insignificante
civilização que flutua perdida dentro desse planeta
que flutua perdido por uma imensidão escura
de dúvidas
de mistérios
de falta de sentido
de estrelas mortas e idolatradas.
assim nós impomos sentido ao lado de fora
porque o que mais tememos é que não haja nada lá fora.
então damos vida às estrelas mortas
e criamos motivos para matar
e nos acorrentamos à bobagens à obrigações estúpidas
e louvamos o sofrimento
e buscamos redenção
e esquecemos de achar graça
enquanto enxertamos culpa em tudo que parece livre
em tudo que parece sorrir.

minhas costas doem tentando puxar o ar
enquanto troco a marcha
mas a janela do carona chama minha atenção
novamente e com esforço eu viro o pescoço
e olho para uma árvore quase marrom
e olho para um calçada muito cinza
e faço todo o caminho até dois sapatos
pretos
e subo para um vestido cheio de flores
verdes
e vejo os olhos daquela mulher
que são como dois projetores de cinema
emitindo uma luz quase azul quase cinza
direto para uma parede vermelha.
eu paro o carro no meio da avenida
desço ignorando o resto da cidade
e caminho até aquele muro
e tento entender a cena projetada.
uma navalha corta um olho de um boi
e nós sabemos sobre isso tudo
sobre o boi e sobre a navalha
e ainda assim acreditamos
humano
e de alguma forma
isso parece bom o suficiente
e eu respiro melhor
um ar com cor e cheiro de mel.

então
eu olho para aquela mulher
ali parada e inofensiva feito um predador à espreita
ela olha para mim
projetando algumas imagens na minha
camiseta branca -
sempre imagens tão confusas,
mas que são boas o bastante para lavar
um bocado da culpa embora e fazer com que
eu volte sorrindo para o carro.
e como sempre eu
acelero.




terça-feira, 23 de outubro de 2012

o pedestre e a esquina

parado em uma esquina
o carro em ponto morto
eu vejo um homem de terno
em um terreno baldio ao lado
lutando para agarrar um
quero-quero.
ele corre de um lado para o outro.
pula muito baixo, abre os braços
como se fosse alcançá-lo
e acaba caindo
deixando as calças cairem da cintura
um pouco.
logo ele está de pé
e corre para o outro lado do terreno
atrás, ainda, do quero-quero.
no meio do caminho
a calça tranca suas pernas como uma pedra,
ali, na metade do caminho,
e ele cai mais uma vez.

levanta-se, e sai caminhando devagar para a calçada
ele ri e tem um pouco de trabalho com o cinto.

então,
eu escuto as buzinas
milhares delas
milhares de buzinas atrás de mim
e olho para o carro ao meu lado,
que também continua parado.

um velho de óculos escuros
e bigode sorri para mim.
seu sorriso de 70 anos apenas
parece dizer
que loucura isso tudo.

nós deixamos o homem de terno atravessar
a rua
ignorando as buzinas
e as buzinas e as pessoas atrás das buzinas.
e antes de arrancar,
o velho abaixa o vidro e diz:
o único homem sensato que eu vi hoje.

eu concordo com a cabeça.
ele dobra à direita
e eu vou reto.
as buzinas param
as buzinas
bem longe
param

porque
às vezes
é tão estranho o que
une as
pessoas.

domingo, 21 de outubro de 2012

cachorro

é sempre início da madrugada quando eles começam a latir.
primeiro um cachorro despretensioso, então outro o acompanha
e em seguida mais um e outro e outro
e logo 
são centenas de cachorros latindo.
e eu olho para a rua pela minha janela, e não vejo nada. Nenhum
cachorro. Mas os uivos e latidos me atingem como um tsunami
de sons.
e eu penso sobre isso.


não acho que eles digam alguma coisa
não imagino um cachorro comentando
sobre a alta das ações
ou sobre a brutalidade de todas nossas atividades cotidianas.
acredito que os cachorros só lamentam
gritam por contato
uivos de mémorias e solidão
querem pular uns sobre os outros
quererem correr juntos
cheirar outros rabos
mijar em novos postes.
eu penso sobre isso.

e
os latidos ficam cada vez mais altos.
mais melancólicos. mais doces e suaves,
como um homem que já não consegue
chorar.
e eu me sinto muito bem
porque
agora 
eu não consigo chorar:
nem com todos esses latidos
esse lamento 
essa impossibilidade de pular sobre as grades 
e correr.

um homem caminha para seu quintal e aponta uma arma para a cabeça
do primeiro cachorro a latir.
o disparo é mais alto que todos os latidos.
e então
enquanto o homem volta para a cama
o Morro inteiro fica quieto
assombrado apenas pelo barulho dos pássaros -
dos que podem voar.

e os cachorros voltam para dentro de casa
onde até o carinho de seus donos
parece um bocado com 
trabalho.


segunda-feira, 1 de outubro de 2012

paz

é sentir a lágrima escorrendo pelo rosto
com o único objetivo de molhar o sorriso
é a gargalhada impossível de segurar
velhas dentro de elevadores
o som da palavra emperrado; repetida incansavelmente
todas as praças e seus malucos
as ruas do Menino Deus com cheiro de feijão
a zona sul de pequenas derrotas e vitórias

é criar marcas

é embalar para sentir o vento no rosto
12 anos
e o mesmo vento da primeira vez
o vento que sopra a dor embora
e lhe faz pular como uma criança
se divertir como uma criança

é o IAPI

é conseguir ver aquele sorriso que ela dá
daquele jeito que ela dá
e não entender o sorriso
e não entender o jeito
apenas sentir as orelhas quentes e o estômago frio
e algo dentro de você sabe que algo dentro de você
mudou ao ser inundado por esse sorriso

é o olho brilhando

é saber que sempre é diferente
em cada lugar; em cada minuto;
e mesmo assim
não impor sentido a isso
apenas abraçar o que se quer viver
e entender que sempre se pode rir no final

é ter a certeza que nem todos os poemas acabam.






segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Chuva

Foi numa tarde quente de inverno
- com um tom poético na própria
descrição -
que eu entendi
pela primeira vez
a expressão norte-americana blue.
Meu olhar inocente
encarando as paredes azuis
da quinta série
enquanto a professora explicava
"o azul acalma"
e falhava ao ver o terror
em nossos olhos.
E, nossa!, como nossos olhos brilhavam!
Mas todos os adultos falhavam ao ver o brilho
e assim
iam pouco a pouco matando o que havia dentro
de nós
impondo complicações aos atos mais comuns
tornando difícil falar
difícil conviver
meu deus
difícil sorrir, dar oi, amar sem discriminação
censurando nossa imaginação; gritando: mentira!
E a sala
tornou-se cada vez mais escura
nossos olhos com o tempo
cada vez mais apagados
o azul por todos os lados
enquanto a professora falhava em ouvir nossos gritos.
Nós, cada vez mais eles.
A naturalidade como motivo de exclusão.
A vida cada vez mais em partes. Em porções.

Agora
é inverno de novo, e eu sento de bermuda na minha janela
olhando uma das maiores tempestades que já vi.
Duas quadaras acima
eu vejo uma mulher de vestido colorido
caminhando pela chuva.
O rádio avisa: carros cheios de água, ruas alagadas,
árvores e postes e anjos caídos.
Enquanto essa mulher,
essa linda mulher de vestido colorido
caminha tranquila pela chuva.
Tentando pegar as gotas com a mão
levantando o queixo para sentir o vento
sem se importar com nada
sentindo-se sozinha num mundo que ela não sabe
é meu.
Eu olho para ela
e eu amo essa mulher de vestido colorido
cada passo
o jeito que e vento faz o vestido colorido colar em seu corpo
o olhar que imagino
e sorriso que é somente daquela rua deserta
e tomo como meu.
E mesmo quando não consigo mais vê-la
caminhando para o outro lado da quadra
eu estou ligado a essa mulher de vestido colorido.
Então
meus olhos começam a brilhar novamente,
sinto-os arder em chamas
e ilumino a mulher de vestido colorido
para além das estrelas do mundo
que eu criei.




Lembro que li num romance de Paul Auster
que Dante escreveu a Divína Comédia
para uma mulher que viu apenas duas vezes.

E, claro, isso não significa nada:
todo mundo sabe
escritores mentem
toda hora
mentem
sem saber porque.

domingo, 26 de agosto de 2012

um poema para as águas

como pela primeira vez, encosto a garrafa
contra meus lábios
e deixo a água entrar.
sinto a água escorrendo por todo meu corpo
caindo pelos meus ombros e braços
sinto os dedos gelarem
de dentro para fora
como se fosse a felcidade chegando -
e, meu deus, o que é a felicidade chegando?
apenas dou mais um gole - e acredito.
lembro de um poema de Frank O'hara
e me sinto - também - o centro
de toda a beleza.

penso que deveria escrever um poema
sobre isso.
sobre como é possível ser terrivelmente feliz
bebendo água
às duas da manhã.
penso nos olhos daquela mulher
e eu prometi para mim mesmo
curvado sobre meu próprio túmulo
que jamais voltaria a pensar nela 
(cinco vezes, apenas nesta semana).

eu realmente deveria escrever um poema sobre isso
sobre como beber água pode fazer tanto sentido
sobre como é possivel sentir a vida correndo em nós
sobre a liberdade e a solidão das duas da manhã.

com o poema certo, tudo é possível.

coloco a garrafa sobre a mesa
plástico e mais plástico
inútil e vazio
o plástico que um dia acabará com a terra -
dizem.
Vejo nossa imagem e semelhança. 

acendo um cigarro olhando para a lua lá fora e
penso nela.

sorrio e uivo desesperado.
nunca chego realmente a lembrar de escrever o poema
sobre a água.

eu vejo o mundo inteiro da minha janela -
agora é fácil:
o sentido está dentro de mim.
esqueço os olhos dela - que brilham mais que a lua
lá fora - e
a deixo descansar sobre uma pilha de rascunhos -
apenas má poesia.





alguém deveria escrever um poema sobre
todos os poemas que a gente nunca chega a escrever.

terça-feira, 3 de julho de 2012

piadas ruins

depois de um tempo
é possível rir de praticamente
tudo

eu lembro destas mulheres
dos gestos dos rostos de como comiam ou se deixavam comer
eu lembro de como elas eram
incrivelmente passionais no nosso próprio desamor
eu lembro tanto de suas peles suaves que
me faziam pensar em manhãs de domingo sem nada para fazer
eu lembro delas como furacões
arrasando cidades em mim para então construir novas paisagens

eu lembro delas
eu penso nelas

mas algo em mim faz eu esquecer seus nomes
ou algum detalhe banal que costumava me deslumbrar
e eu acabo rindo do que sempre esteve alí
e que com o humor certo parece novidade

eu tento lembrar mas não consigo
penso em chamá-las todas de Katrina

mas isso seria apenas uma piada ruim
daquelas simples e fáceis
que qualquer um podia ter visto e contado
e que entretanto é necessário uma quantidade absurda
de coragem para contá-la

mas que nós rimos
de qualquer maneira
rimos porque não há nada mais
para se fazer
nós rimos e contamos piadas
e somos o que restou do outro
em nós

domingo, 17 de junho de 2012

O meu segredo

O segredo é
amar o que está perto
o que está longe, o que não existe
o que passou, o que morreu
amar sem querer
amar sem entender
amar.

O segredo é
sentir-se um maratonista
ao arrumar a cozinha e servir a coca
durante o tempo pré-determinado do micro-ondas.
É sentir-se realmente especial
ao tirar o prato
um segundo antes do último apito.
É sentir vergonha por isso tudo
e ao mesmo tempo
sentir-se orgulhoso por conseguir
e amar.

O segredo é
a capacidade de criar teorias
sobre a vida e o amor e a paz e a civilização
e esquecer-se delas, pular inteiro
para dentro de tudo
e amar.

O segredo é
saber banalizar o amor em algo naturalmente bom
sem grades ou correntes
sem esperar, sem entender.
É não ter medo do seu medo
fechar os olhos
e amar.