sábado, 26 de setembro de 2009

A minha cabeça - que nunca serviu para nada

De cabeça para baixo
eu vi tudo acabar
sem olhar eu sabia
que não havia medo o suficiente
naquele lugar
não havia paz
e tudo era só uma
pequena ilusão
do que um dia a gente
seria.
De cabeça para baixo
eu passei dias
cheios de fogo
e chuvas
e de tempestades
rezando
por um pouco de sanidade
meu Deus, um pouco de sanidade,
por favor.
De cabeça para baixo
eu derramei lágrimas
felizes no chão
férteis
que fizeram nascer
novas e desconhecidas
plantas
de amor, plantas de
felicidade.
De cabeça para baixo
a vida passou por mim
e eu passei despercebido
pela maioria, e
não poderia querer de outro
jeito.
De cabeça para baixo
eu amei
e amei e amei
tudo que eu podia
e me entreguei a todos esses
pequenos amores
que nasceram e morreram
dentro de mim.
De cabeça para baixo
eu abracei toda a felicidade
e toda a tristeza
que meus braços puderam
alcançar.
De cabeça para baixo
meio assim
sem querer
sem tentar
eu pensei
que a cabeça para baixo
era só algo
da minha cabeça
talvez.

domingo, 20 de setembro de 2009

Reflexo

Hoje eu me olhei no espelho
depois de três anos.
E eu vi uma faca
cravada
no meu peito.
Nunca tinha notado
aquilo
nem sentido dor.
Sentei no sofá
pensando no que fazer.
O telefone tocou.
"Oi, Rafael?",
uma voz feminina
perguntou.
"Sim"
Teve um silêncio
na linha.
Então,
"Só te liguei pra dizer
que eu não te amo,
e nunca amei"
Ela desligou.
Eu peguei o cabo
da faca
e mexi de um lado pra
outro.
Não tive dor
nem remorso
nem medo.
E tirei ela de lá.
Fez um buraco grande
mais ou menos
um palmo.
Botei a faca numa mesa
e voltei para o banheiro.
Parei na frente do espelho
e tinha um homem lá dentro
do tamanho de um pilha
com pernas e braços e cabeça.
Ele corria de um lado para
o outro.
E xingava
e gritava.
Até que ele me olhou
e parou
de frente para mim.
Nós eramos iguais
ele e eu.
Ele sorriu.
Levantou a mão e disse que
nunca mais queria me ver.
Eu também não queria ver ele.
Eu não gostava dele, tão pouco
ele de mim.
A gente se odiava.
Eu peguei uma agulha e uma linha
costurei meu peito
e decidi pôr todos os espelhos da casa
fora.

A troca

Ela tinha dois olhos
uma boca
um nariz
e dois peitos redondos
que levantavam a blusa para
o céu.
Ela bebia e fumava, e ela tinha
um jeito
lindo de fazer isso
ela tinha classe.
Ela dançava sem dançar
e ela tinha isso
como uma arte
e ela fazia de tudo
uma arte.
Ela tinha unhas vermelhas
e tinha olhos verdes
e aqueles olhos tinham luz
e aquela luz era dela.
E ela estava na minha frente
e ela tinha todo meu ódio
porque ela tinha tudo
e eu não tinha nada pra dar
em troca.