terça-feira, 12 de outubro de 2010

Meu amor cabe num pote de geléia

Meu amor
eu guardo em pequenos potes
de conserva
na parte gelada
do meu peito.
Organizados
em estantes brancas
em longos corredores
escuros
e devidamente
identificados
com etiquetas
e letras tremidas.

Às vezes
eu caminho por esses
corredores.
Vou devagar
e receoso.
Sinto muito frio.
Sinto todos os
sentimentos
em sua forma mais
primitiva.
Meu corpo
treme.
Eu sou feliz
e eu choro.
Sou triste
e eu choro.
Sinto o suor pelas
minhas costas.
Gozo.
Ah,
como eu gozo.
E como
eu sinto dor.

E quando é noite
e enquanto mundo
inteiro
deixa
de existir
eu fico
agarrado à Lua.
Olho para baixo
e vejo a cidade.
Vejo Porto Alegre
as ruas
e tudo que aquilo
significa
em mim.
Vejo livros
discos revistas
palavras
olhares medos
amores filmes
e vejo meu sangue
correndo nisso tudo.
E me pergunto
porque eu pego esse pote
de geléia
e guardo meu amor
enfileirado
junto de outros potes
que guardam
o meu amor.
Não guardo para lembrar.
Não guardo para esquecer.
Não guardo para separar.
Guardo
para amar
olhando velhos olhos
escutando velhas
palavras
sentindo velhos cheiros
um amor
que não existe.
Guardo porque me
preenche.
Porque é meu.
Porque
sou eu.

Solto minha
mão
dou adeus à Lua
vou caindo
devagar
quase flutuando.
E quando toco
o chão
eu tenho certeza.
Seria um idiota
se não
guardasse.

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Um retalho para longe de nós

Minha cabeça batia
na janela
com o balanço
do ônibus
durante as curvas.
Meu pescoço estava
mole
meu corpo
estava mole
meu coração.
Eu ia para casa
dela
e sabia que tinha que fazer
aquilo.

Ela implorava chorando
baixinho
sentada a beira da cama
com a cabeça entre as
pernas.
Ela implorava gritando
todas a vozes
e todas as razões
do mundo.

Eu sentia
a pressão do cabo
da faca no meu
bolso.
Não podia deixar
ela ir
embora
assim
tão fácil.
Meu coração.
Tudo mole.
Eu sabia que tinha que
fazer
aquilo.

Toquei a campainha
e gritei;
gritei tudo que meu
bafo
que exalava coragem
e mesa de bar
conseguia pronunciar.
Tirei a camisa
e levantei a faca
para cima da
minha cabeça.
Passei a lâmina pelo
meu peito até minha cintura.
Puxei a pele com força
e da lá
saiu uma criança.

Ele estava numa sala de aula
sentado no chão;
num círculo formado por alunos
da 3ª série
e uma professora.
E todos riam
dele.
Todos riam daquele
menino que sentia
toda a indiferença
e todo ódio
que não existia
ali.
Ele sentia
não existir
e o cheiro do seu
medo
flutuava por entre
nossos corpos.
Não tinha
ainda
vivido
de verdade
e mesmo
assim
tinha medo de morrer sozinho.
Não tinha beijado
uma mulher
e sentia que nunca
mais beijaria.
E enquanto seus colegas
distribuíam abraços
ele sentia solidão
e não sentia ser tocado
de verdade.
Sentia nojo;
o nojo que vinha dos
outros
para sua direção
para sua ruína.

Ela assistiu
isso tudo
segurando forte
no meu braço.
Vi seus olhos
molhados
de felicidade.
Vi seus olhos
e eles olhavam
para além dos
meus.
Me segurou em seus braços
me apertou forte
me mordeu
me beijou
me lambeu
e soluçou ao dizer que
nunca estivemos
tão
próximos.

Enquanto isso
as paredes
choravam.
As paredes
que sabiam tudo
choravam porque sabiam
que nunca estivemos
tão próximos
de dizer
adeus.