sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Um retalho para longe de nós

Minha cabeça batia
na janela
com o balanço
do ônibus
durante as curvas.
Meu pescoço estava
mole
meu corpo
estava mole
meu coração.
Eu ia para casa
dela
e sabia que tinha que fazer
aquilo.

Ela implorava chorando
baixinho
sentada a beira da cama
com a cabeça entre as
pernas.
Ela implorava gritando
todas a vozes
e todas as razões
do mundo.

Eu sentia
a pressão do cabo
da faca no meu
bolso.
Não podia deixar
ela ir
embora
assim
tão fácil.
Meu coração.
Tudo mole.
Eu sabia que tinha que
fazer
aquilo.

Toquei a campainha
e gritei;
gritei tudo que meu
bafo
que exalava coragem
e mesa de bar
conseguia pronunciar.
Tirei a camisa
e levantei a faca
para cima da
minha cabeça.
Passei a lâmina pelo
meu peito até minha cintura.
Puxei a pele com força
e da lá
saiu uma criança.

Ele estava numa sala de aula
sentado no chão;
num círculo formado por alunos
da 3ª série
e uma professora.
E todos riam
dele.
Todos riam daquele
menino que sentia
toda a indiferença
e todo ódio
que não existia
ali.
Ele sentia
não existir
e o cheiro do seu
medo
flutuava por entre
nossos corpos.
Não tinha
ainda
vivido
de verdade
e mesmo
assim
tinha medo de morrer sozinho.
Não tinha beijado
uma mulher
e sentia que nunca
mais beijaria.
E enquanto seus colegas
distribuíam abraços
ele sentia solidão
e não sentia ser tocado
de verdade.
Sentia nojo;
o nojo que vinha dos
outros
para sua direção
para sua ruína.

Ela assistiu
isso tudo
segurando forte
no meu braço.
Vi seus olhos
molhados
de felicidade.
Vi seus olhos
e eles olhavam
para além dos
meus.
Me segurou em seus braços
me apertou forte
me mordeu
me beijou
me lambeu
e soluçou ao dizer que
nunca estivemos
tão
próximos.

Enquanto isso
as paredes
choravam.
As paredes
que sabiam tudo
choravam porque sabiam
que nunca estivemos
tão próximos
de dizer
adeus.



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