domingo, 21 de outubro de 2012

cachorro

é sempre início da madrugada quando eles começam a latir.
primeiro um cachorro despretensioso, então outro o acompanha
e em seguida mais um e outro e outro
e logo 
são centenas de cachorros latindo.
e eu olho para a rua pela minha janela, e não vejo nada. Nenhum
cachorro. Mas os uivos e latidos me atingem como um tsunami
de sons.
e eu penso sobre isso.


não acho que eles digam alguma coisa
não imagino um cachorro comentando
sobre a alta das ações
ou sobre a brutalidade de todas nossas atividades cotidianas.
acredito que os cachorros só lamentam
gritam por contato
uivos de mémorias e solidão
querem pular uns sobre os outros
quererem correr juntos
cheirar outros rabos
mijar em novos postes.
eu penso sobre isso.

e
os latidos ficam cada vez mais altos.
mais melancólicos. mais doces e suaves,
como um homem que já não consegue
chorar.
e eu me sinto muito bem
porque
agora 
eu não consigo chorar:
nem com todos esses latidos
esse lamento 
essa impossibilidade de pular sobre as grades 
e correr.

um homem caminha para seu quintal e aponta uma arma para a cabeça
do primeiro cachorro a latir.
o disparo é mais alto que todos os latidos.
e então
enquanto o homem volta para a cama
o Morro inteiro fica quieto
assombrado apenas pelo barulho dos pássaros -
dos que podem voar.

e os cachorros voltam para dentro de casa
onde até o carinho de seus donos
parece um bocado com 
trabalho.


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