sábado, 12 de novembro de 2011

O jogo

Quando você se dá conta, está deitado num campo de areia
uma espécie de Coliseu particular.
Você carrega em seus braços um pano, como um cobertor
que você mesmo teceu, mas não sabe porque.
Não consegue entender aquilo tudo, pricipalmente
quando, sem esperar, uma mulher cruza todo caminho
até você. Ela corre e derrama mel e sangue dos olhos.
Instintivamente, você sabe que ela quer lhe machucar
que ela corre para a sua destruição, para lhe matar.
Então você consegue desviar algumas vezes;
você é rápido e tudo que quer é ir embora de lá.
Você não entende nada, mas tem seu coração.
E você tem medo, você quer apenas um cigarro e
uma cama para que possa descançar.

Até que, numa de suas investidas, ela
para há dois metros de você e
ela tem olhos luminosos
e você olha aqueles olhos e
a boca dela sofre uma pequena elevação no encontro dos lábios
e você olha aquela boca e
suas pernas escondem alguma coisa santificada
e você olha aquelas pernas e
seu cabelo cai sobre os ombros
e você olha aquele cabelo
e sente um frio subindo a espinha
parando no peito e causando algumas
dores abdominais. Você acha que vai vomitar.
Mas não vomita. Você apenas entende tudo.
Entende porque teceu aquele pano
porque está ali e, pricipalmente, porque ela quer
lhe matar.

Você espera ela cansar e corre até o extremo oposto
do campo. Ela de um lado, você do outro.
Você respira fundo algumas vezes. Toma coragem.
Ela vem correndo contra a sua direção e você corre
até ela. Algo em torno de 500 metros até
se encontrarem no meio do caminho.
Você levanta seu pano até à cabeça
com a barra arrastando no chão.
Quando vocês se encontrarem, irá jogar o pano
em cima dela. Cobrindo-a totalmente. E irá dar
um nó na parte das suas costas, para que não
se livre tão fácil e para que você a segure melhor
no colo ou deitada.
Seu coração bate mais forte a cada passo.
Você nunca antes havia
corrido de pau duro. Com o coração saindo pela garganta.
Vocês se aproximam e os olhos dela queimam os seus.
Ela ri. Você está em pânico. Mas vai conseguir,
você sabe disso. É a sua vez. Você entendeu o jogo todo.
E quando você vai jogar o pano
ele se prende no pé dela,
que deu um passo a mais. Sem que você pudesse
imaginar ou entender.
Então você cai no chão. E a areia lhe corta inteiro
pernas, braços, peito, rosto, tudo.
Você está cheio de marcas que irá carregar
para o resto da vida.

Então você levanta, e nem a mulher ou pano
estão alí. Você está sozinho e não consegue
ver nada a sua volta. Nada. Até o horizonte
nada.
Você respira fundo e, como num milagre,
acha uma carteira de cigarros no bolso.
Você acende e dá uma longa tragada
realmente se esforçando para sentir
alguma coisa. Uma lágrima rola pela bochecha.
E você se dá conta que ainda
tem seus cigarros, sua cerveja e que vai conseguir
algum dia tecer outro pano, dessa vez
mais forte e curto.
E, de algum modo, você sabe que em breve
outra mulher aparecerá por alí.

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