segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Duas horas no escuro

Eu era novo
-3 ou 4 anos-
e tudo que ia
além do que podia ver
era um clarão
flutuando pelo Universo.
Nada acontecia
se não acontecesse
para mim.
Tudo dependia de mim
para ser.
Um sorriso
só era um sorriso
se eu podia vê-lo.
Um beijo, sem mim,
era nada.
Ninguém chorava
se não fosse por mim.
Ninguém se incomodava
se eu não estivesse
por perto.
E quando eu não estava por
perto
o mundo andava em
câmera lenta
esperando eu entrar em cena.

Tinha essa mania
de esmagar formigas
com a ponta do dedo.
Me divertia.
Não por matar
mas por poder.
Porque eu era Deus
e eu criava
e destruía.
Às vezes, comia
terra
também
porque era a minha terra
porque eu podia.
E sozinho
sentado a beira
do formigueiro
o mundo inteiro
esperava
para me servir.

Agora, eu estou deitado
na minha cama
com um cinzeiro apoiado
na barriga.
Ninguém por perto.
Lembro das mulheres
que passaram por aqui
e logo
sinto-me
deixar
de existir.
Eu ainda as vejo.
Elas estão em camas novas
com sorrisos novos
enquanto eu não
existo
e sinto a minha infância
escorrer por entre
meus dedos
direto para
o ralo.

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