terça-feira, 23 de novembro de 2010

Eu devia estar trabalhando

mas
ao invés disso
estou lutando contra
o meu teclado.
Bato forte
odeio as teclas
quero que elas sofram
mas tomo socos
na boca do estômago
no queixo
meu nariz está sangrando
e eu continuo batendo
nas teclas
sem parar.
Até que

vou
a nocaute.

Quando acordo
estou sentado na sala
de espera do meu
psiquiatra
com uma revista -
papel couché fosco
e fotos envernizadas -
sobre arte
moderna
nas mãos.
Olho para as palavras
mas não leio
nenhuma.
Começo a me sentir
fraco
quando uma gota de sangue
pinga do meu nariz.
E outra.
Largo a revista
no chão.
E pinga

e pinga

e
pinga
e
pinga e
pinga pinga
pinga pinga
pinga pinga pinga
até que começa jorrar.
Logo
o chão da sala está
vermelho
sangue
quase cobre a sola
dos meus tênis.
Meu olhos começam
a se fechar
não sinto nada
meu corpo
nada
e desmaio
para frente com o
rosto
virado para a direita
prestes a faturar
o maxilar.

Mas não.

Mergulho numa
piscina vermelha
sem fundo
e vou afundando
e dormindo
e me contorcendo
e afundando.

Culpa do meu
superego fascista,
segundo
especialistas.

Eu devia estar trabalhando

mas
ao invés disso
estou rezando ajoelhado
na frente
desses pequenos ícones.
Mulheres
feitas de argila
molhada
derretendo
esquecidas
no canto da sala.

Eu devia estar trabalhando

mas
ao invés disso
grito um horror
esquecido dentro
de mim.
Grito
para esquecer quem
eu sou.
Para apagar as imagens
de vergonha e de
derrota
da minha cabeça.
Grito
e digo que não merecia
viver
ou ter nascido
mesmo sabendo
que
se pudesse
não faria nada para
mudar isso.

Eu devia estar trabalhando

mas
ao invés disso
sou um rascunho
de papel
deitado na pista
do
IAPI.
E baseados
à sombra
das árvores
me passo
a limpo
num caderno
com aspirais
de marfim.

Eu devia estar trabalhando

mas
ao invés disso
eu fumo um cigarro
e agradeço
aos
deuses
que estou sozinho.
Eu
tão
perdidamente eu.
E me sinto bem
sem o som dos problemas
que chegam com voz
doce
e olhos de
cristais.

Eu devia estar trabalhando

mas ao invés disso
continuo
brigando
com meu teclado.
Porque é tudo
que me resta.
E tudo o que eu sempre
pude
fazer.

Eu devia estar trabalhando.




Um comentário:

gab.raf disse...

Oi Rafa, tudo bem? Eu fui tua colega no 1 semestre de jornalismo. A gente fez um blog com o teu e-mail pra cadeira de lab. de jornal hehe tu poderia deletar o blog? acho que é gab-raf, do blogger. é algum "@hotmail". Obrigada! gabi