quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Uma tarde presente no passado

Era um fim de tarde gelado
e eu caminhava pelas ruas
do Menino Deus*
e cada pedra no chão
me conhecia
como irmão.
Todas aquelas paredes tinham
marcas minhas
e tudo era tão meu
que chegava a doer.
Lembrava-me da minha
infância;
de como eu descobria o mundo
caminhando por aquelas ruas.
Sentia o vento
cortando meu rosto
e o barulho das rodas
batendo no chão.
Sentia tudo que era tão
velho
e tão emocionante.
Lembrava das meninas
e do medo que tinha delas.
Lembrava das primeiras tragadas
dos primeiros goles
e de como tudo era tão emocionante
e selvagem.

Encontrei uma parada de ônibus
acendi um cigarro
e escorei-me na parede de uma
tabacaria.
Um homem que vestia
uma capa preta
e tinha um grande bigode negro
gritava, com uma fala nordestina,
as maravilhas da juventude.
Palavras que faziam tanto sentido que
e eu não as sentia de verdade.
Não sentia por fazer parte daquilo
por causa dessa juventude que
corre em mim.
E então
eu senti um medo que subia
as minhas costas.
Um medo de não conseguir ver isso que
está em mim
agora.
Medo de que minha vida
fosse assim
uma série de entusiasmos atrasados.

Então, peguei um pequeno baú
e coloquei meu passado
e meu futuro
ali dentro.
Tranquei com um cadeado
acendi uma vela
ajoelhei-me
rezei
e deixei aquilo
tudo
num pequeno altar
ao lado da minha cama.

Vi um rosto conhecido
caminhando em minha direção.
Algo diferente;
uma certa serenidade assustadora naqueles
olhos.
Ele morava na rua
e gritava "babudo"
enquanto brincava com a barba
e dizia que a vida era o suficiente.
Agora, sem barba
e terrivelmente sóbrio
não tinha o velho brilho nos
olhos.
Era triste como
o resto dos carros que passavam
sem deixar marcas.
Pediu-me um cigarro
e eu
cuidadosamente
entreguei três.
O babudo agradece,
disse caminhando
enquanto eu podia ver
sua barba crescer e o velho
sorriso alucinado
brotar
no seu rosto.

Um carro bate em outro.
Nada sério.
Dois homens irritados
saem
batendo suas portas
e estalando seus punhos.
Meu Deus, eu penso,
ela tem esse jeito de fazer o
beijar, lamber, foder,
abraçar, dormir, acordar
coisas tão naturais e
lindas.
E lindas porque são naturais
e naturais porque são lindas.
E eu conto isso para os dois
homens.
Conto das mulheres que têm
o vestido verde
como manto sagrado.
De como elas têm
esse sorriso
que nos deixa paralisados e
idiotas e
patéticos.

Eles abandonam
os carros
no meio da rua
e eu
deixo minha parada
sem olhar para trás.

Ela puxa meu braço
toca uma pedra no chão
e a gente pula amarelinha.
E eu vivo o presente
como alguém
que vive a morte.
Eu vivo cheio de
tubos
e esperando que algo
aconteça
enquanto eu pulo
amarelinha
e escorrego para
dentro dela.
E eu durmo ali
agradecendo aos
deuses
que meu passado
e futuro
são coisas
tão distantes quanto
próximas.


*bairro de Porto Alegre





quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Tudo ao mesmo tempo

Sinto-me alheio
a isso tudo
às vezes
sou um espectador de
um filme de terror
e o protagonista
sou eu
e eu grito
da sala do cinema:
não abra essa porta!
E, mesmo assim, eu
abro
e penso em pular pela janela
não mais para morrer
mas para provar que eu
consigo voar.
Sinto-me preso ao passado
e abraço o futuro
como alguém que abraça um
deus.

E eu sou o deus do
meu mundo
senhor de mim.
Eu sou a árvore
do seu quintal.
Sou um cachorro
brilhando ao Sol.
Sou um pouco
de tudo.
Sou o futebol.
Sou um idiota
de Lars von Trier.
Sou um girassol
de Van Gogh.
Sou tudo o que espero.
Sou a boca que vai embora
e traz aquele sorriso
que desaparece
na luz daqueles olhos.

Nunca entendi pessoas
que escalam montanhas.

Sinto-me tão falso
às vezes
sinto-me mentir para quem sou
para o que sinto
e fazer tudo aquilo que não queria
pelo bem
de outros.
Mudo o que sou
saio de mim
e torno-me
outro.
E sinto-me igual a antes
sinto-me de verdade
e sorrio do topo dessa
montanha feita de cinzas.


Sinto tudo;
a dor de ver deuses
esquecidos;
a felicidade de encontrar
sorrisos
perdidos;
um choro que
me engole;
um sorriso
que engole o mundo
todo;
pena de me ver ao
espelho.
E quando me olho
penso,
não é grande coisa
mas é tão de verdade.
E o espelho do meu banheiro
quebra ao som das minhas
gargalhadas
e todos os espelhos do mundo
caem ao chão
ao som da palavra que sai
do meu estômago.

Sinto-me tão triste
e sinto-me tão bem ao mesmo
tempo.
Sinto meu corpo
cheio de chagas
e sinto as feridas
fechando devagar.
Sinto-me,
porque
é a unica maneira
de sentir tudo
que eu quero
ao mesmo tempo.

domingo, 8 de agosto de 2010

O vestido de todas as flores

Seu nome é
Rose
e quando eu quero chamar ela
eu chamo
Rosa.
A gente mora
juntos
e volta e meia
Rose vai embora
enquanto eu grito
Rosa!
uivando da minha sacada.
E ela volta sempre
e sempre volta
diferente.

Sempre com aquele
mesmo vestido
verde
floreado
com todas
as flores do mundo
e nenhuma
rosa.

Ela é o barulho do
vento
numa noite quente.
Ela tem um sorriso
de um anjo
um sorriso
mais perigoso que de
um demônio.
Ela sabe tudo
e não entende
nada.
É uma puta.
Imaculada.
Ela machuca fazendo
carinho.
Uma santa.
Uma santa que faz
cansar.
Um santa que se
abandona.

E eu canso de
Rosa.
E Rosa vai embora.
Mas ela sempre
volta
com aquele mesmo
vestido
repleto de rosas.

Seu nome é
Rose
e quando eu quero chamar ela
eu chamo
Margarida
que me responde
indiferente a isso tudo
sem se importar com nome
ou com a flor que lhe
falta
no vestido.

domingo, 1 de agosto de 2010

O dia em que o teto desabou

Era um sábado chuvoso
eu dirigia
com uma nuvem verde
correndo pelo carro.
Observava
com os olhos brilhando
a chuva dançando no asfalto.
Trocava as marchas
rápido
e dirigia devagar
procurando
sem muita ideia
alguma coisa para fazer.

Vi um shoping a
algumas quadras.
Pensei que seria legal
tomar um café
e observar as pessoas
fazendo biografias imaginárias.

Era liquidação
até 50%
e talvez eu tenha
cometido um erro,
pensei.
Casais passeavam.
Os homens carregavam sacolas
e usavam blusões pendurados
como macacos carentes
no pescoço.
As mulheres eram bonitas
algumas até lindas
e não tinham brilho
algum.
Eles não estavam juntos
ou vivos
de verdade.
Eles estavam lá
porque achavam que deveriam
porque era aquilo que ensinaram que
deveriam
fazer.
Não se tocavam
mãos e pés e corações
separados por alguns
passos.
E eles corriam a minha volta
pulavam e gritavam e
riam como abutres
e diziam que ali
estava o meu futuro.
Tentava fazer eles calarem a
boca.
Era inútil.
Eu seguia caminhando
com os casais de mortos
me seguindo
e agora
sussurravam que eu era
um deles.
Decidi que um café
não era para mim
no momento.
Decidi que eu precisava de
uma cerveja.

Fui caminhando até a praça
de alimentação.
E quando eu cheguei lá
Todas aquelas pessoas
e todos aqueles
milhares de olhos
me encaravam.
Começaram a bater
copos, talheres, pratos, cabeças
na mesa
e como uma torcida
de futebol
cantavam:
você é um de nós!

Eu estava apavorado
pronto para sair correndo
para ir embora daquele lugar
mas eu sabia
agora
eu precisava de uma cerveja.

Fui caminhando
pé após o outro
analisando
cada passo.
Fui devagar
acompanhado por
todos aqueles olhos.
Cheguei ao restaurante
e pedi um chope
grande.
A mulher
que trabalhava no caixa
tinha os olhos iguais a um
umbigo
pintados de branco
e me informou
que só acharia
naquele lugar
chope pequeno;
300ml.
Eu sabia que aquilo não
seria
o suficiente.
Eu sabia que precisava de mais.
E sabia
também
que eu não gostaria de voltar ali
para pedir outro.
E quando contei a caixa
que precisava mais tempo
para pensar o teto
desabou.

Eu olhei para cima
e vi um monte
de pêlos brancos
pendendo do céu.
E quando eu entendi
que aquilo era uma barba.
Me ajoelhei no chão
fechei os olhos
e agradeci.
Agradeci
pelas mulheres que são
de vestido verde.
Agradeci que eu não era parte
daquilo
e sabia disso.

E quando eu abri
os olhos
de novo
tudo estava normal.
O teto estava inteiro
ninguém cantava
ou batia a cabeça na mesa
ninguém olhava para mim.
Exceto a mulher do caixa
com seus olhos pintados
esperando uma resposta.

Bem, acho que eu vou querer
dois pequenos,
respondi.
Ela tentou sorrir
sem sucesso
e disse para eu esperar a minha
mesa.

Alguns minutos depois
eu tomava meus dois chopes
intercalando os copos
em goles pequenos
sorrindo e observando a caixa que
me atendeu
bater
a cabeça na parede.

domingo, 25 de julho de 2010

O meu dia de Jesus Cristo

Eu descia a rua
passando as marchas
com paciência
e soprando lindos anéis
de fumaça.
Queria ir até
onde a vida me deixasse
levantando copos e urrando
obscenides
sem sentido
para a Lua.
Minha cabeça balançava ao
som do rádio
e meus olhos
úmidos
de prazer
refletiam faróis
e amores que passavam.
Então
eu o vi.
Duas quadras a frente
empurrando sua moto.
Alguém que
perdia a sorte
e buscava alguma coisa.
Vou ajudar esse infeliz,
pensei.
Pensei também
nas estatísticas
e como eu tinha chances
de ser morto
ou pior
estuprado.
Eu sou uma pessoa
boa
queria fazer alguma coisa
oferecer carona
e mesmo não entendendo nada de
motos ou motores
eu podia tentar ajudar.
E, caso levasse um tiro
ou uma facada,
Deus saberia que eu morri
sendo bom.
Talvez o melhor!
Passaria direto para o Céu
escapando
da burocracia do purgatório
e do enorme pau
violador de Satanás.
Seria um anjo voando
e espiando mulheres tomando banho.
Diminui a velocidade
e quando passei ao seu lado
ele virou para mim.
E quando nossos olhos
se cruzaram
lembrei-me
que não acredito nessa
merda
de
Céu ou
Inferno.
Passei a marcha e acelerei
em direção do
meu paraíso
que vestia, por sinal,
um vestido verde.
E ele ficou lá
carregando sua moto
e eu carregando minha vida
e continuamos
iguais
abandonados
como o resto do mundo.

quarta-feira, 21 de julho de 2010

Como um dia qualquer

Era um dia que não dizia
nada
quinta-feira
e só.
Eu conversava, bebia
e sentia saudade.
Então, ela passou por mim.
Ela que já tinha passado
antes
e tinha ido embora.
E a saudade
não era dela.
A saudade era minha
e de mais ninguém.
E enquanto ela passava
a mão
pelo meu rosto
a saudade
ficou com ela.

Ela me puxou pela
mão
e levou-me para sua
casa.
E a saudade
tinha ido embora.
Guardada em algum
lugar.

Eu estava deitado
saciado e ofegante
enquanto ela esfregava
o rosto em meu braço.
Puxou-me para
perto dela
e pediu para que eu contasse
uma história para ela conseguisse
dormir.
Eu ri
e ela riu também.
E todo esse amor guardado
que eu tinha dentro de mim
tinha que ir para alguém.
Então
apesar de tudo, comecei,
ela era uma menina ruiva, eu disse,
e achou um cavalheiro barbudo
na beira de um rio
e quando ela pediu fogo
ele se entregou...
E fui contando essa
história
nossa história, que não era nada.
E ela se excitava e agarrou-me
pelo pau
e puxou-me para dentro dela.
Ela gemia e mordia meu ombro.
Gritava e eu gritava junto
em silêncio.
E quando eu cheguei ao fim da história
ela gozou
e gozei também.

E nada fazia
mais
muito sentido.

segunda-feira, 19 de julho de 2010

A música da noite é o som dos deuses

É madrugada.
Corre um vento gelado pela
cidade.
Estou parado na sacada
e sopro uma fumaça azul
e verde.
Algo dentro de mim
é feliz.
É, não sei se feliz
mas não tem nada
ruim aqui. Estranho.
Eu rio com os
deuses
que brindam
com a cerveja que corre pelo céu.
Escuto de longe alguma
música.
É jazz.
Meu Deus, é um
jazz maravilhoso.
Escuto o trompete
chorando e jorrando
sangue e suor.
O sax traz tudo
de bom que o mundo tem.
Enquanto os deuses tocam com
seus
trovões e cães latindo.
Eu assobio
e a fumaça
que sai da minha boca
dança como
bailarinas russas.
Imagino de onde
vem esse som.
Fecho os olhos.
E a algumas quadras
à direita
vejo uma mulher sentada.
Ela veste um
vestido
verde.
E lágrimas
vermelhas
escorrem pelas
suas bochechas.
Ela andou bebendo
e tem o coração partido.
A chuva continua caindo
e é um lindo solo de guitarra
batendo nos telhados de
brasilit.
Os deuses urram por
barulho.
E os pássaros noturnos
gritam em desespero.
Aquele vestido verde
está comigo
na sacada
agora
e ela não chora mais.
Ela sorri e abre os braços.
Os carros passam como arcordes
de violino
eles giram e se voltam para nós.
Um orquestra que se
forma nessa noite.
Um orquestra reservada
para quem
consegue escutar.
A gente dança um pouco.
E do seu pescoço
eu cheiro um
mar de flores desconhecidas
que são tão coloridas.
Eu mergulho como se fossem
uma piscina perfumada
e assim
nós nadamos juntos
sem precisar de roupas ou
qualquer pudor.
A minha sacada
é um lugar mágico,
eu penso.
Enquanto aquele vestido
se prepara para dormir.
Eu escuto o som
de um baixo melancólico
que se forma das gotas
que caem na piscina.
Tudo ganha calma de novo.
Os deuses acalmaram-se
querem um grito silencioso.
Querem o sabor da noite
que tem gosto de caramelo.
Eu sopro meu último suspiro
de fumaça verde
e grito para o céu.
Um vento gira ao redor
de mim
e me levanta até as nuvens
onde eu deito e espero
a sinfonia
da próxima noite.


segunda-feira, 12 de julho de 2010

Adeus, medo do espelho

Entrei no elevador.
Um espelho
olhou para
dentro de mim
então
abaixei os olhos
e dei as costas para ele.
Algumas pessoas me olhavam.
Sentia alguém me chamar
alguém que
não me tocava
mas podia sentir
uma mão puxando meu
rosto
para o espelho.
Não resisti
e encarei meu reflexo.
Um enjôo tomou
conta de mim.
Algo chutava minha
barriga de dentro
para fora.
A dor ficava mais
e mais forte.
Senti a pele cedendo.
E foi rasgando
desde minha garganta
até minha cintura.
E uma perna saiu de lá.

As pessoas gritavam
e alguém apertou o botão
de emergência.
Uma senhora ajoelhou-se
aos meu pés e chorava.
A mãe cobria os olhos
do filho,
enquanto um senhor de
terno olhava
para mim
em reprovação.

Depois outra perna saiu
de dentro do corte
e logo havia um
homem parado a minha
frente.
Lembrava-me dele
tentou me matar
algumas vezes.
Nós éramos iguais.
Mesmo olhos, boca
nariz, tamanho
tudo.
Era eu.
Nós nos encarávamos,
não gostávamos um do outro.
Mas ele sorriu
e tirou um pássaro
morto de dentro do bolso
e balançava aqui
perto do meu rosto.
"A vida é ver o pássaro morrer
em nossas mãos
sem poder fazer nada
e sorrir quando ele nasce de novo",
disse.
Segurou minha mão
e deixou o pássaro
comigo.
Agarrou meu rosto
e disse que me perdoava.
Passou os braços por
mim e me abraçou
cada vez
mais forte
e senti suas lágrimas correrem
pelo meu ombro.
Minha camiseta ficou
encharcada e não
segurei as lágrimas
dentro de mim.

Escutava as pessoas chorando e
gritando de horror.

Senti algo se mover na minha
mão
e quando abri os dedos
o pássaro voou sobre nós
e nós nos olhamos
novamente
e choramos juntos
pelo perdão
nosso perdão.
Nos abraçamos e
eu era um só
quando ele foi embora.
Encarava o espelho
e sorria.
Sem enjôo
sem ressentimento.

E enquanto o segurança
me arrastava para fora
do prédio
eu sorria com o peito
e braços
abertos.

domingo, 11 de julho de 2010

A fuga é uma panela de pressão pronta para explodir.

Eu já senti falta
antes.
Eu já amei.
Eu já vi uma boca
ir embora
e esperei pela próxima.
E a próxima
fazia tanto sentido.
Eu esperava
ela.
Eu passei
tempo
fazendo essa boca
ir embora.
Nada novo
nada velho.
Eu queria fugir
da dor
de não poder ser o que
a boca
queria.
Mas eu fui
preso.
Me sento nessa jaula
e espero alguma
notícia.
Eu vou em frente.
Experimentando
bocas novas
bocas boas.
Bocas que
não são nada.
Me sinto tão vazio.
Fisicamente.
Eu respiro fundo
e não há nada
aqui dentro.
Há um vazio
que ela deixou.
Que logo será preenchido.
Que logo não será
dela.
Que logo
vai me fazer esquecer
o que fez
tudo valer a pena.
Eu tentei chorar.
Juro.
Achei que as lágrimas
me fariam bem.
Achei que lavaria ela
embora
de mim.
Mas as lágrimas
nunca
vieram.
Assim
como ela nunca
foi.
Eu sinto saudade.
Meu Deus,
eu sinto tanta saudade.
Sinto saudade
do que não quis.
Sinto saudade daquela
boca que
tentei fugir
e que não vejo maneira
de fugir de mim.

Sim, logo eu acho outra boca.
Logo eu esqueço.
Mas continuo
caminhando
de tanto medo
do dia
que não irei
conseguir lembrar.

quinta-feira, 8 de julho de 2010

Os dias passam como uma flor que morre.

Eu lembro daquelas noites
quando eu dormia
depois.
E lembro de como
sempre tinha um chocolate
para nós.
E do jeito que ela gozava
e dizia que adorava
me ver gozar.
E lembro daqueles olhos
fechados
e de como ela sorria
sem acordar
com um sussurro no
ouvido:
"linda".
E o jeito que
ela mexia os pés
junto aos meus.
E se ajeitava
esperando um abraço.

Agora
eu penso nisso tudo
e
dói.
Dói uma dor
boa.
Algo que me faz sorrir.
Enquanto eu deito
na minha cama
sozinho
e como um chocolate
porque foi tudo
que ela deixou.

terça-feira, 6 de julho de 2010

O corte.

Hoje eu acordei
meio tonto
sentindo um liquido
que grudava o lençol
em mim.
O líquido era vermelho
sangue
e a tontura
era só alguma coisa
que não estava ali.
Empurrei os cobertores
e lençóis para o chão.
Vi uma linha
que corria
desde a minha
terceira costela esquerda
até a quarta
do outro lado.
Passei o dedo
por ela
bem devagar
com medo
e a linha foi abrindo
aos pouco
num corte fundo.
Separei com os dedos o resto de carne que
ainda
deixava o corte fechado
e
olhei lá para dentro.
Não havia nada.
Nada de sangue
órgãos,
nada.

Estiquei a pele
e enfiei minha cabeça ali.
Havia muita água
e alguns peixes subiram
à superfície e olharam
para mim.
No canto do lago
um gato
se lambia e as
às arvores não tinham sentido
nem porque estarem lá.
Uma criança estava sentada
à sombra de uma
das árvores.
Ela esmagava algumas formigas
com o dedo e
brincava com as que
caminhavam pelo seu braço
E alguém queria matar essa
criança.
Alguém escondido no bosque
por de trás
das galinhas brancas
que se iluminavam
com o sol mais vermelho
que qualquer manhã
poderia querer.

O lago foi mudando
de cor e textura,
a água
se transformando em sangue e vinho.
Os peixes
curiosos
agora
tinham os olhos
vidrados nos meus
e deixaram mostrar
seus dentes.
Piranhas.
Sempre há alguma.
A criança guardava
uma faca
cravada no peito.
E começou a chorar quando me viu.
Então,
tudo foi
ficando escuro
e tudo foi sumindo
aos poucos
até desaparecer numa
mancha negra
que
tomou conta de tudo.

Agora
eu sentia cheiro de bebida;
vodka, talvez.
Escutava tambores e muitas
pessoas rindo.
Meu rosto iluminou-se
no meio da multidão.
Eu tentava gritar
mas não me escutava.
Eu não sorria.
Sentia minha solidão
no meio daquela gente toda.
Sentia que alguma coisa faltava.
Eu bebia. E bebia mais.
Não parava de fumar.
E nunca me vi sorrindo.
Passavam
algumas mulheres
por mim.
E ela nunca passou de
novo.

Quando tudo ficou claro
me vi deitado em minha cama.
Escutava meus pensamentos.
Meus arrependimentos.
A saudade.
Maldita saudade.

Agora eu estava na Europa
e me via rindo
caminhando sem sentido
ou sem vontade.
Por casas tão bonitas
e sem dinheiro para
me apegar a qualquer coisa.
Vi a italiana que guardava
meu coração numa bolsa
pequena
e a carregava grudada ao peito
escondida pela blusa.
Era mais uma noite quente
como esta
mas eu caminhava tranqüilo
pois eu nunca tinha
passado
nenhuma noite quente
com ela.
E ela
não fazia falta.
Molhava meu pé
na água morna
de num mar
sem ondas
e sorria.
Sorria porque
eu podia
porque não tinha nada
mais em mim.
Sorria ao vazio.

E quando eu entendi isso
tirei minha cabeça de
dentro de mim.
Virei para o lado
e voltei a dormir.

sábado, 3 de julho de 2010

Sonhos

Hoje eu sonhei
que estava acordado.
E não tinha dor nenhuma
perto de mim.
Hoje eu sonhei que
estava morto.
E não tinha
dor nenhuma
em ninguém.
Sonhei que me contorcia
na cama
e meus olhos viravam
cuspia sangue
e alguém ria.
Hoje eu sonhei
que tudo voltou a ser como era.
Que a vida
inteira
era um
cachorro se coçando
sob o sol.
Que o amor
fazia algum
sentido.
Que a felicidade
era de verdade.
Hoje
eu
sonhei.