quarta-feira, 9 de maio de 2012

A MELHOR MÚSICA QUE VOCÊ JAMAIS ESCUTOU

Nós sentamos no bar.
Toca jazz.
Peço dois chopes
enquanto ela tira o casaco,
e faz o piano comer duas ou três notas
e o saxofonista engolir sua palheta.

Eu sei que logo ela
irá dizer alguma coisa - tomo um gole -,
e não faço ideia do que será.

Sempre tive essa necessidade de entender as pessoas
principalmente
as mulheres
(logo cedo, decidi que não cresceria
para ser uma pessoa bonita)
precisava de algum tipo
de vantagem.

Olho em seus olhos tentando
descobrir alguma coisa.
Nada.
Apenas descubro o mundo ao meu redor:
as frases do trompete dançando, o
barulho do chope caindo da máquina;
um arranhão áspero na minha nuca;
o modo como seus ombros servem como
refletores para a luz amarga de seus olhos;
meus dentes batendo - engolindo cerveja e desespero -
prontos para criarem vida própria.

Mas, ainda assim, não estava preparado
quando ela disse que talvez
ainda houvesse uma chance: que tudo
seria diferente. 
Que exisitia felicidade como estado de espírito.

Ela queria salvar o mundo.
Suas palavras como caminhos distantes:
trilhas de um pequeno bosque.

Escolho uma e entro.
Respiro fundo, e sinto algo como
o cheiro da morte,
um cheiro realmente muito bom.
Nunca havia visto
aquelas árvores
aquelas flores
aqueles animais:
apenas aceitava-os.

Tomo um gole. Escuto. Comento.
E, como única opção possível:
concordo.
Ela fala. E quando ela fala
sinto meu corpo ceder para fora da minha alma,
e não ao contrário.

Então, sem aviso, o chope derrama para cima
molhando o teto.
As pernas das mesas e cadeiras tremem
descolando-se do chão.
O trompetista flutua pelo bar, e suas notas tão serenas e melódicas
agora gritam em tom de desepero.
Todas os clientes pedem água,
e nós continuamos na cerveja.

Ela fala sobre finais de semana em família
comunismo e amor.

Eu sei que se conseguisse desviar meus olhos dos seus
acabaria com tudo isso.
Mas não. Não consigo. Apenas tomo um gole.

Quando chego no final da trilha, estou de frente para um labirinto
de grandes rosas vermelhas.
Rosas enormes.
E, logo que entro, arranho meu braço num espinho.

Ela fala sobre desistir
e mudar o mundo.
Eu digo: sim!

Nós tomamos um gole,
e nem conseguimos salvar
a nós mesmos.

O trompetista cai de costas em cima de
nossa mesa.
As cadeiras param de tremer.
O chope molha o chão.

Então, ainda deitado, ele deixa escapar
as últimas frases de seu trompete:
mais como um velho morrendo
sozinho;
mais como um prédio
caindo;
 a respiração ofengante do
suicida;
o estalo do último
beijo.

E, ainda assim, é a melhor música
que você jamais
escutou.

domingo, 25 de março de 2012

três da manhã

paro no meio da rua
e não paro no meio da rua como se tivesse
um motivo, apenas paro
neste meu eterno três da manhã.
olho para trás:
os postes de luz, os carros, as pedras
o asfalto, casas, gramados, árvores
coisas tão minhas
que me fazem perder o ar
que me fazem não sentir tão sozinho
que empregam sentido a
esse meu eterno três da manhã.
solto um pequeno suspiro enquanto
tento manter meu corpo hidratado
e meus olhos fechados.

paro aqui, e poderia ter parado em qualquer
outro lugar. mas, não. paro
nesta minha eterna vontade de ir sem saber aonde
nesta minha eterna escuridão de olhos
neste meu eterno banquete inalcançável
neste meu eterno aconchego de espinhos.

paro aqui, e vejo a mulher mais linda
do mundo - no momento -, e seus olhos
brilham tanto que eu quase chego a entender
porque parei - de alguma maneira
a luz emprega sentido
a cada ato.

respiro fundo,
nesse meu eterno nó gelado na garganta,
e caminho, como se tudo isso
valesse
realmente
a pena.





quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

orelhas

eu só consigo dormir com a orelha tapada,
eu conto para ela.

o ângulo reto; minha orelha e eu:
expostos;
o ar soprando meus segredos
que entram como navalhas; vento e segredos
que são do mundo inteiro; o ar,
que não é só meu; eu sinto o
TERROR
como única forma de existência:
o ar.

tenho medo que alguma coisa
entre, e fique lá, expliquei.

ando preocupado ultimamente;
e digo ultimamente por cortesia; pena -
deve ser pecado sentir pena de si mesmo; sinto
o vento pelo quarto; minha orelha exposta é
uma lembrança, um aviso:
sempre há com o que se preocupar.

meu deus,
um cobertor.

é idiota não conseguir dormir sem tapar a orelha
eu sei. ela sabe. desabafo:
sempre esperei que fosse por causa do Van Gogh.
e, embora nunca tivesse pensado sobre isso, parece
uma teoria desenvolvida ao longo de muitos anos.
uma paisagem de arrepios em cenas vibrantes e coloridas,
que eu faço questão de contar em detalhes
enquanto nos deitamos.

TERROR; TERROR; nada é de verdade
ou possível; não há certeza; nunca;
certeza é ilusão; pedaços de um mapa
rasgado; um tesouro que há muito
deixou de existir; a certeza de buscar
o que não está lá;
TERROR; TERROR; a ilusão é
necessária; a vida pré-determinada
em gotas homeopáticas; um labirinto
lógico que ninguém consegue escapar:
não há diferença entre ilusão e certeza.

amasso meu peito sobre suas costas;
meu pau sobre sua bunda;
e não sei dizer a diferença.

ela estica o braço para trás.
tenho a certeza que vai me matar.
mas ela descança a mão no meu rosto
tapando minha orelha.

tá tudo bem, ela diz.
eu sei, eu respondo.



sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Ano novo

Era o fim de mais um ano.
E eu só consigo ver o fim
nunca o começo.
Como se todo dia
fosse o fim de um Era.
E, com o ano acabando,
vislumbrava o inicício de novas trevas.
A morte sorrindo para mim
através da janela do ônibus
sozinho
no meio do Uruguai.

Então
essa menina
cheia de caveiras na blusa
ombros como dois pesos para o chão
parou, em pé, do lado do banco
onde eu estava sentado.
De todos os espaços,
ela parou colada em mim.
Eu, sentindo suas coxas no meu
braço. O zíper arrastando em
meu cotovelo.
Pressionava a cintura contra mim
o metal gelado
as coxas macias mesmo cobertas
de jeans.
Eu sentia o seu sorriso
mesmo sem ver
mesmo olhando a janela
e tudo o que passava por mim.
Ela se inclinou para frente
e eu senti as caveiras e seios
roçando em meu rosto.
Olhei em seus olhos
e vi inocência e vi sexo e vi
o ano começando.
Possibilidades, meu deus, tudo
que a gente precisa é de possibilidades.

Cheguei em casa
algum tempo depois
e encontrei este
e mais dois poemas
realmente existenciais
perdidos
na minha cueca.

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

cuca holandesa

todo dia eu parava
no posto de gasolina
para comprar cigarros
e todo dia havia
uma uma cuca holandesa
exposta na vitrine
e na maioria dos dias a gente
pedia um belo pedaço e
comia na cama.

então
ela entrou no avião
e foi embora.

dois meses passaram
comprando cigarros
todo dia
no mesmo posto de gasolina
e nenhuma cuca holandesa
exposta
na vitrine.

e todo dia
eu olhava os bolos
tortas
e nunca a
cuca.

até que esqueci dela.
do gosto ou
como se parecia.

até que
num dia desses
eu a vi
quieta no canto da vitrine
e pedi um pedaço.
só pela risada.
só por brincar de lembrar.
e
deitado na cama
eu dei a primeira garfada
senti ela
deitada sobre mim
tirando o garfo da boca
deixando farelos escapar pelo queixo
a cuca
fazendo ela se contorcer em
felicidade
olhando para mim e rindo
do meu sorriso.
porque com a cuca
era fácil rir ou não se
sentir
cansado.

então
senti uma vontade de
de alguma forma
contar isso para ela.
sobre a cuca
e como o gosto continuava igual
e sobre como
tudo aquilo que sobrava
é uma pequena poça de água
da chuva
em um dia de outono.
mas

não.

eu apenas dei mais uma
garfada
e guardei o resto na geladeira.

acendi um cigarro e
- o segredo não está no que acaba
ou no que pode ser
mas onde há
algo que sobra
no final -
algo dentro de mim
sentiu vontade de explodir
uma porta batendo
um grito na escuridão
pássaros voando
trovões e raios de sol:

um sorriso que escapa da boca.

terça-feira, 27 de dezembro de 2011

olhos fechados

às vezes ela é loira
e me assopra o rosto quando
depois de suor e gozo eu
sinto calor deitado na cama
e me esconde em seu sorriso
para que tudo pareça simples
como descer o escorregador da piscina
(mesmo que algumas pessoas já
se machucaram
fazendo isso-
todos vimos os vídeos da internet)
e simples assim
afunda seus dedos em minhas costas
geme e me liberta
goza me fazendo rir


às vezes ela é ruiva
e tudo a sua volta
parece ter energia
como se todos estivessem balançando
os braços para o ar
rindo e cantando
totalmente alucinados
sem a necessidade de lsd
porque tudo é leve e divertido
somado ao leve balançar
da sua cintura

às vezes ela é morena
e eu consigo experimentar
suas palavras que são tão
doces vindas de um rosto inclinado para
baixo como uma menina de olhos
tão brilhantes que não consigo
identificar a cor
mesmo que eu saiba que todos
os olhos têm cores diferentes

é difícil enxergar quando se está apaixonado
eu pensei
junto de todas elas

perco cinco minutos
orando por elas
por
todas essas mulheres
lindas em sua própria confusão
loucas em sua sanidade
pedaços de mim
que abriram seus corpos
que abriram suas mentes
que me deixaram entrar
que ainda caminham comigo

-sombras da minha escuridão-

direto
para uma nova paixão

por isso sigo de olhos fechados
que é para estar preparado
para quando eu chegar.

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Yin-Yang

Houve uma época em que eu saia com duas mulheres:
uma loira, outra morena. E todo dia
eu escutava o mesmo cd
no rádio do carro. Hora com uma
hora com outra. Fazia sempre sol, e eu me sentia
muito calmo, dirigindo pelas ruas de óculos escuros.

As horas passavam preguiçosas. Sem problemas.
Sem ansiedade.
Uma enchia qualquer sutiã. A outra, cabia na boca.
Uma fazia com que eu não sentisse tão mal
e eu já não era ridículo por não saber o que fazer
com as mãos, parado, esperando um café.
A outra me fazia carinho durante a noite.
Fumaça e cerveja. Ela com as mãos no meu peito
os dedos entrelaçando pêlo e suor.

Me aceitavam. As duas.
E se entregavam, com todas as suas
armas no chão. Tudo tão simples e bom.
Nós, dirigindo em direção do Sol.
As mesmas músicas.
Uma e a outra.

Só estar com elas, no mesmo quarto,
na mesma cama, fazia com que eu me sentisse
bem. Satisfeito com a crise das bolsas mundiais.
Sem medo do que vinha pela frente. Segurando
meu coração, do alto da montanha, para quem
quisesse ver. Completamente nu.

Mas isso foi há muito tempo. Eu já morri
muitas vezes desde então.

Acendo um cigarro e abro o jornal.
Leio sobre uma pessoa que não conheço
que está com câncer.
O mundo inteiro sai dos trilhos
e pessoas começam a cair
como chuva
da minha janela. Anjos descem do céu
exigindo vingânça. Cachorros comem a carne de cachorros
pelas ruas. E os homens que batem no chão
lutam pelas sobras.

Ligo o rádio para entender o que está
acontecendo. Sintonizo nas notícias
que, por algum motivo, toca aquele cd do meu carro
e o cantor diz:

da próxima vez.



sábado, 12 de novembro de 2011

O jogo

Quando você se dá conta, está deitado num campo de areia
uma espécie de Coliseu particular.
Você carrega em seus braços um pano, como um cobertor
que você mesmo teceu, mas não sabe porque.
Não consegue entender aquilo tudo, pricipalmente
quando, sem esperar, uma mulher cruza todo caminho
até você. Ela corre e derrama mel e sangue dos olhos.
Instintivamente, você sabe que ela quer lhe machucar
que ela corre para a sua destruição, para lhe matar.
Então você consegue desviar algumas vezes;
você é rápido e tudo que quer é ir embora de lá.
Você não entende nada, mas tem seu coração.
E você tem medo, você quer apenas um cigarro e
uma cama para que possa descançar.

Até que, numa de suas investidas, ela
para há dois metros de você e
ela tem olhos luminosos
e você olha aqueles olhos e
a boca dela sofre uma pequena elevação no encontro dos lábios
e você olha aquela boca e
suas pernas escondem alguma coisa santificada
e você olha aquelas pernas e
seu cabelo cai sobre os ombros
e você olha aquele cabelo
e sente um frio subindo a espinha
parando no peito e causando algumas
dores abdominais. Você acha que vai vomitar.
Mas não vomita. Você apenas entende tudo.
Entende porque teceu aquele pano
porque está ali e, pricipalmente, porque ela quer
lhe matar.

Você espera ela cansar e corre até o extremo oposto
do campo. Ela de um lado, você do outro.
Você respira fundo algumas vezes. Toma coragem.
Ela vem correndo contra a sua direção e você corre
até ela. Algo em torno de 500 metros até
se encontrarem no meio do caminho.
Você levanta seu pano até à cabeça
com a barra arrastando no chão.
Quando vocês se encontrarem, irá jogar o pano
em cima dela. Cobrindo-a totalmente. E irá dar
um nó na parte das suas costas, para que não
se livre tão fácil e para que você a segure melhor
no colo ou deitada.
Seu coração bate mais forte a cada passo.
Você nunca antes havia
corrido de pau duro. Com o coração saindo pela garganta.
Vocês se aproximam e os olhos dela queimam os seus.
Ela ri. Você está em pânico. Mas vai conseguir,
você sabe disso. É a sua vez. Você entendeu o jogo todo.
E quando você vai jogar o pano
ele se prende no pé dela,
que deu um passo a mais. Sem que você pudesse
imaginar ou entender.
Então você cai no chão. E a areia lhe corta inteiro
pernas, braços, peito, rosto, tudo.
Você está cheio de marcas que irá carregar
para o resto da vida.

Então você levanta, e nem a mulher ou pano
estão alí. Você está sozinho e não consegue
ver nada a sua volta. Nada. Até o horizonte
nada.
Você respira fundo e, como num milagre,
acha uma carteira de cigarros no bolso.
Você acende e dá uma longa tragada
realmente se esforçando para sentir
alguma coisa. Uma lágrima rola pela bochecha.
E você se dá conta que ainda
tem seus cigarros, sua cerveja e que vai conseguir
algum dia tecer outro pano, dessa vez
mais forte e curto.
E, de algum modo, você sabe que em breve
outra mulher aparecerá por alí.

segunda-feira, 31 de outubro de 2011

meus tênis

eu atravesso a rua sentindo vontade de vomitar
e não pelos litros de cerveja que joguei para dentro
de mim; mas pelo peso nas costas que deixa meu
queixo grudado no peito e me revira o estômago
enquanto um carro vermelho quase acerta minha
perna direita e me joga para o lado esquerdo
da rua, acabando com tudo - dor e felcidade -
antes que eu possa decidir ir caminhando para casa

tudo é só expectativa, eu penso
chegando do outro lado
da calçada
são e salvo;
me sentindo insano e perdido -
eu caminho:

os postes da joão alfredo brilham como tochas
durante a madrugada e vestidos verdes;
mesmo que os olhos dela brilhem ainda mais,
eu escolho a rua e sigo sozinho; meus tênis como
trampolins me jogando cada vez mais alto
a cada passo mais alto até que eu consiga
pular por cima dos prédios da cidade baixa
e ver todo o caminho até a zona sul de volta
ao meu coração

e quando minha cabeça ultrapassa os limites
das nuvens eu vejo meus potes e toda
a geléia -minha substância- transbordando para
fora deles, até o chão; chego a
pensar que a morte é uma coisa marvilhosa
não com olhar suicida de antigamente
- que acreditava ter -
mas penso na morte como a gargalhada final;
o momento em que nada mais importará e eu consiguirei rir
de toda minha vida: um filme ordinário
da sessão da tarde;
como rio das vergonhas da minha infância
cheias de palavras e frases que deveria ter omitido
com vontade de gritar para que as memórias
pulem para fora de mim sem que ninguém perceba
que já estiveram lá;
então, vendo os potes transbordarem
eu penso que deveria escrever um poema
sobre mim, sobre como eu sou maravilhoso quando
não há ninguém por perto; como eu posso ser mágico
e até pular por cima das nuvens apenas com meus tênis
sonhos, amores e alguns goles de cerveja;
penso também que, quando estiver escrevendo,
não irei carregar comigo mulher alguma
e que nenhuma boceta vai aparecer nas minhas linhas
enrolando minhas palavras e ideias
porque a beleza e a naturalidade e a esperança e
tudo que eu quero carregar em mim
não vêm só de pernas braços e sobrancelhas
mas do que só eu posso ver
de olhos fechados no escuro.

chego em casa
e, como era de se esperar,
falho miseravelmente e caio de cara no chão
direto das nuvens como um anjo pecaminoso
que não aprendeu a desistir
e sabe muito pouco do que se passa lá fora
quando não está presente.





terça-feira, 25 de outubro de 2011

abraços orgasmos e sorrisos

não quero minhas palavras cheias de intenções ou
sorrisos premeditados prazeres monótonos
aviso prévio arrastado por de baixo da porta
quero ser o resultado de toda a naturalidade
de gestos em manhãs sonolentas de domingo
suspiros cor de terra molhados de chuva
quero ser o senhor da minha confusão e ter o direito
de desistir de tudo que me for capaz
para abraçar o necessário
esperando ansiosamente que a beleza natural
seja despejada em mim justamente quando não estiver preparado
fazendo acabar a rotação dos planetas
no ponteiro avançando um segundo no relógio da cozinha
despertando a selvageria que não me liga aos pontos onde
eu me prendi ao chão para que possa
desistr a qualquer minuto para só então encontrar
a menina de olhos brilhantes e faca na mão
que tem a malícia para matar e
ainda não se acostumou a ser linda
andando descalça pela casa
sem saber o que isso realmente significa
ou sem impor significado à meia-calça verde
pendurada na maçaneta de madeira do meu quarto
para que no simples movimento do relógio
o ponteiro definitivo
eu tenha a capacidade de acreditar que um novo mundo é possível
e que a bondade é tão simples quanto acender um cigarro

quero a vida na naturalidade dos movimentos
gestos e intenções
onde a arte diga alguma coisa e o amor
seja apenas abraços orgasmos e sorrisos
servidos com gelo
dependendo do meu humor.




segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Minha janela

Todos os quartos de todas as mulheres
suas camas e colchas e lâmpadas e cestas de lixo
e a falta de intenção ao pegarem no sono
enquanto eu sento na janela, acendo um cigarro
e olhando para baixo
tento entender a coisa toda.
São todas tão diferentes, mas não consigo deixar
de perceber os pontos em comum:
a elegância com que vão ao banheiro
parecendo ditadores quando saem
e tiram a roupa.
Eu sento na janela e observo
fingindo entender alguma coisa
enquanto elas dormem e sonham com
balas de hortelã.

Mas você
você não tinha janelas
só portas.
Então restou apenas o meu quarto
e a minha janela
de onde
gritávamos enquanto o mundo inteiro
parecia dormir profundamente
afundando em seus prórpios pesadelos.
E F.O. já não parecia ter o senso
de novidade que sempre me encantou
e uma caminhada por NY não
parecia mais poética que por POA.
C.B. parecia ter deixado alguma coisa escapar
por entre os dedos enquanto a Musa
o enganava em bares
tão terríveis quanto ele sempre escreveu.
E.P. se tornava mais fascista do que nunca.
L.P. não parecia aquele sonhador maravilhoso
que morreu tentando abraçar a Lua.
A.A. era só forma e os versos íntimos
não faziam mais sentido que o meu café da manhã.
Eu começava a pensar que na verdade
a coisa não vinha da vergonha
e J.W. tinha perdido alguns versos
pelo caminho.
E não conseguia mais esperar os
golpes tão fortes
que C.V. havia me alertado,
mesmo com eles dobrando a esquina.

E eu não me importava com a sorte
ou com como as palavras deveriam soar, muito menos
com o impressionismo, lirismo,
surrealismo, realismo ou com machismo.
Nenhum ismo.
Exceto talvez pelo amadorismo,
porque assim eu poderia fazer uma piada idiota
e talvez arrancar um sorriso seu
e esquecer todos os meus problemas
dizendo o quanto eu gosto de você
mesmo sem coragem
porque tudo isso
- nós, a janela, as cestas de lixo, a vida -
no fim
é só uma grande piada.

terça-feira, 13 de setembro de 2011

detalhe

ela era linda
mas eu nunca mais consegui
escrever sobre ela.
e, às vezes, eu fumo um cigarro
numa segunda-feira a tarde
e penso sobre isso.

nós, a estrada, nossos acontecimentos
fluiam de forma não-linear.
poética, sem pretensão
ou intenção.
cheia de redenções
embaixo da porta da igreja.

perdia a fúria da tela em branco.
sem esforço.
assim como a vida
vagava
pelas ruas que
ganhavam novos significados
porque de alguma forma
ela era possível.

eu dancei, meus amigos
eu dancei!
dancei sem vergonha alguma
e senti uma bala perfurar a minha
barriga.
e, pelo furo, eu sentia um vento gelado
felicidade e baunilha
correr para dentro de mim.
e o vento abraçava meus brônquios
como fita de seda verde.
e eu exalava a felicidade de um baseado
às 8:30
ou de uma cerveja no final da manhã.

perco o ar.
solto a fumaça para o alto.

tudo isso, eu penso, porque
ela era linda
e isso
nela
era apenas um detalhe.