terça-feira, 6 de julho de 2010

O corte.

Hoje eu acordei
meio tonto
sentindo um liquido
que grudava o lençol
em mim.
O líquido era vermelho
sangue
e a tontura
era só alguma coisa
que não estava ali.
Empurrei os cobertores
e lençóis para o chão.
Vi uma linha
que corria
desde a minha
terceira costela esquerda
até a quarta
do outro lado.
Passei o dedo
por ela
bem devagar
com medo
e a linha foi abrindo
aos pouco
num corte fundo.
Separei com os dedos o resto de carne que
ainda
deixava o corte fechado
e
olhei lá para dentro.
Não havia nada.
Nada de sangue
órgãos,
nada.

Estiquei a pele
e enfiei minha cabeça ali.
Havia muita água
e alguns peixes subiram
à superfície e olharam
para mim.
No canto do lago
um gato
se lambia e as
às arvores não tinham sentido
nem porque estarem lá.
Uma criança estava sentada
à sombra de uma
das árvores.
Ela esmagava algumas formigas
com o dedo e
brincava com as que
caminhavam pelo seu braço
E alguém queria matar essa
criança.
Alguém escondido no bosque
por de trás
das galinhas brancas
que se iluminavam
com o sol mais vermelho
que qualquer manhã
poderia querer.

O lago foi mudando
de cor e textura,
a água
se transformando em sangue e vinho.
Os peixes
curiosos
agora
tinham os olhos
vidrados nos meus
e deixaram mostrar
seus dentes.
Piranhas.
Sempre há alguma.
A criança guardava
uma faca
cravada no peito.
E começou a chorar quando me viu.
Então,
tudo foi
ficando escuro
e tudo foi sumindo
aos poucos
até desaparecer numa
mancha negra
que
tomou conta de tudo.

Agora
eu sentia cheiro de bebida;
vodka, talvez.
Escutava tambores e muitas
pessoas rindo.
Meu rosto iluminou-se
no meio da multidão.
Eu tentava gritar
mas não me escutava.
Eu não sorria.
Sentia minha solidão
no meio daquela gente toda.
Sentia que alguma coisa faltava.
Eu bebia. E bebia mais.
Não parava de fumar.
E nunca me vi sorrindo.
Passavam
algumas mulheres
por mim.
E ela nunca passou de
novo.

Quando tudo ficou claro
me vi deitado em minha cama.
Escutava meus pensamentos.
Meus arrependimentos.
A saudade.
Maldita saudade.

Agora eu estava na Europa
e me via rindo
caminhando sem sentido
ou sem vontade.
Por casas tão bonitas
e sem dinheiro para
me apegar a qualquer coisa.
Vi a italiana que guardava
meu coração numa bolsa
pequena
e a carregava grudada ao peito
escondida pela blusa.
Era mais uma noite quente
como esta
mas eu caminhava tranqüilo
pois eu nunca tinha
passado
nenhuma noite quente
com ela.
E ela
não fazia falta.
Molhava meu pé
na água morna
de num mar
sem ondas
e sorria.
Sorria porque
eu podia
porque não tinha nada
mais em mim.
Sorria ao vazio.

E quando eu entendi isso
tirei minha cabeça de
dentro de mim.
Virei para o lado
e voltei a dormir.

Um comentário:

Anônimo disse...

Tudo perdeu o sentido quando tu resolveu - ao invés de proteger e acolher - matar a criança interior e, junto com ela, a essência de todos os sonhos simples que ela tinha. Mas nada esta perdido, o espirito dela ainda esta vivo, clamando por ser ouvido e, com vontade de iluminar aquilo que nunca deveria ter escurecido...