domingo, 20 de fevereiro de 2011

Ah, esses adoráveis intelectuais

eu estava sentado
cuidando da minha vida
quando ele chegou e disse:

é uma pena, você se considera
um poeta
não tem estrutura e não se preocupacom a forma.
Aperta
enter
e diz que é poesia.

o problema é que ela
tem olhos
que me paralizam.
eles brilham me
deixando
rídiculo
opaco do lado de fora
da casa, respondo.

poesia é exaltação
é beleza
e você só reclama sobre a
sua vida
que ninguém está
interessado. e eu
lhe pergunto:
isso é poesia?

não sei, respondo,
e quando ela
tira a roupa
e age como estivesse
brincando de boneca
rindo
me fazendo rir
zombando de todos os deuses
e dos mistérios do centro da Terra
eu sei
tenho que
gritar sobre isso.
e, sim, eu sou burro,
mas li o o'hara,
e o que mais se pode fazer?

você pode estudar,
ele diz rindo,
pode começar lendo os
clássicos.
ouvi dizer que você acha
sheakespeare chato.
camões uma perda
de tempo.
e olavo bilac
um retardado
com tempo de sobra.

o que eu posso fazer
se estou deitado na minha cama
e é domingo de tarde
e não me preocupo com nada
a não ser
respirar
pelas próximas 5 horas?, pergunto.
e eu olho para a minha escrivaninha
e vejo um livro
de poesia
que é simples
e diz MUITO com ALGUMAS palavras
e elas são fáceis
deslizando pelas páginas
e são confortantes
quando precisam ser
e te revoltam o estômago
no momento certo
e são como espinhos cheios de veneno
cheios de mulheres
cheios de vinho
cheios do cheiro de perdra molhada pela chuva de verão às 17h de um dia cizento que chamam de terça-feira
e nem o dia, nem o tempo, nem o nome
muito menos a pedra ou a chuva
importam
a não ser o cheiro e tudo
que aquele cheiro traz
porque o velho feio sujo safado
que escreveu e se dizia poeta
sentia de verdade aquilo tudo
e não escrevia porque devia
mas porque precisava.

eu achava que era só nas tuas poesias que tu não
fazia sentido, ele diz
com seus pequenos olhos cheios de
conhecimento
se fechando em reprovação e
em falta de compreensão
das coisas simples que eu dizia.

espera que eu estou chegando lá,
tentei acalmá-lo mentindo, pensando:
hahaha, como eu adoro
esses intelectuais virgens.

e do lado do livro, continuo,
tem uma carteira de cigarros deitada
com a tampa aberta
e eu ignoro aquilo por algum
tempo.
mas
de repente
eu olho para ela
e eu vejo que está escrito HORROR
na parte de trás da tampa do cigarro deitado.
então eu lembro das figuras do ministério da saúde
e não consigo relacionar a figura certa com o HORROR.
mas eu lembro de lourenço mutarelli por um tempo
e penso em ciganos
e cartas que revelam a sorte e o futuro
e penso numa mulher
com olhos malucos explodindo para fora do rosto
correndo pelada com os cabelos pegando fogo.
mas o mais importante
é que eu esqueço disso tudo
em 2 minutos
e lembro que a carteira está vazia
e que eu preciso de um cigarro
com HORROR
ou sem.

você está simplesmente
falando
sem dizer nada, ele fala e
ri de mim.

talvez sim, comento,
mas eu tenho medo que algum dia
eu perca tudo isso
e veja tudo
numa ordem certa
descrita com perfeição.
palavras e mais palavras
para dizer o mesmo que uma linha.
tenho medo
que o livro seja só o livro
e cigarro esteja vazio desde o início.
e tenho medo
que ELA seja uma só
e que ELA precise de nomes diferentes
ou de olhos diferentes
toda vez
e esqueça DELA.
tenho medo de não reparar na risada quando estiver de pau duro.
tenho medo de ter medo de escrever pau duro.
medo de ter que escrever
parar e pensar e TER que escrever.
prefiro uma visita irregular
um abraço cheio de saudade
e lágrimas no ombro -
prefiro a necessidade.
prefiro poder esquecer das maiúsculas só para deixar vocês putos
fechando seus cus intelectuais de ódio.
e, como você sabe,
é muito difícil fazer muito sentido
quando se escreve com o pau
pelado balançando na frente do teclado.

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