segunda-feira, 31 de outubro de 2011

meus tênis

eu atravesso a rua sentindo vontade de vomitar
e não pelos litros de cerveja que joguei para dentro
de mim; mas pelo peso nas costas que deixa meu
queixo grudado no peito e me revira o estômago
enquanto um carro vermelho quase acerta minha
perna direita e me joga para o lado esquerdo
da rua, acabando com tudo - dor e felcidade -
antes que eu possa decidir ir caminhando para casa

tudo é só expectativa, eu penso
chegando do outro lado
da calçada
são e salvo;
me sentindo insano e perdido -
eu caminho:

os postes da joão alfredo brilham como tochas
durante a madrugada e vestidos verdes;
mesmo que os olhos dela brilhem ainda mais,
eu escolho a rua e sigo sozinho; meus tênis como
trampolins me jogando cada vez mais alto
a cada passo mais alto até que eu consiga
pular por cima dos prédios da cidade baixa
e ver todo o caminho até a zona sul de volta
ao meu coração

e quando minha cabeça ultrapassa os limites
das nuvens eu vejo meus potes e toda
a geléia -minha substância- transbordando para
fora deles, até o chão; chego a
pensar que a morte é uma coisa marvilhosa
não com olhar suicida de antigamente
- que acreditava ter -
mas penso na morte como a gargalhada final;
o momento em que nada mais importará e eu consiguirei rir
de toda minha vida: um filme ordinário
da sessão da tarde;
como rio das vergonhas da minha infância
cheias de palavras e frases que deveria ter omitido
com vontade de gritar para que as memórias
pulem para fora de mim sem que ninguém perceba
que já estiveram lá;
então, vendo os potes transbordarem
eu penso que deveria escrever um poema
sobre mim, sobre como eu sou maravilhoso quando
não há ninguém por perto; como eu posso ser mágico
e até pular por cima das nuvens apenas com meus tênis
sonhos, amores e alguns goles de cerveja;
penso também que, quando estiver escrevendo,
não irei carregar comigo mulher alguma
e que nenhuma boceta vai aparecer nas minhas linhas
enrolando minhas palavras e ideias
porque a beleza e a naturalidade e a esperança e
tudo que eu quero carregar em mim
não vêm só de pernas braços e sobrancelhas
mas do que só eu posso ver
de olhos fechados no escuro.

chego em casa
e, como era de se esperar,
falho miseravelmente e caio de cara no chão
direto das nuvens como um anjo pecaminoso
que não aprendeu a desistir
e sabe muito pouco do que se passa lá fora
quando não está presente.





Um comentário:

Marcus Assis disse...

gostei do texto, em particular dessa passagem: ‎"...eu penso que deveria escrever um poema sobre mim, sobre como eu sou maravilhoso quando não há ninguém por perto; como eu posso ser mágico e até pular por cima das nuvens apenas com meus tênis sonhos, amores e alguns goles de cerveja;"

por alguns segundos pensei ser o super homem.